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Foram muitos os sinais que antecederam o golpe contra o presidente Fernando Lugo: a maneira como ocorreu o conflito em Curuguaty que deixou 17 mortos, a presença de franco-atiradores entre os camponeses, a campanha via jornal ABC Color contra os funcionários do governo que se opunham à liberação das sementes de algodão transgênico da Monsanto, a convocação de um tratoraço nacional com bloqueio de estradas para o dia 25. O jornalista paraguaio Idilio Méndez Grimaldi conta essa história e adverte: “os mortos de Curugaty carregam uma mensagem para a região, especialmente para o Brasil”. O artigo foi reproduzido pela Carta Maior, 23-06-2012.
A tradução é de Marco Aurélio Weissheimer.
O artigo de Idilio Méndez Grimaldi foi escrito dias antes da aprovação, no Senado paraguaio, da abertura do processo de impeachment de Fernando Lugo.
Eis o artigo.
Quem está por trás desta trama tão sinistra? Os impulsionadores de uma ideologia que promove o lucro máximo a qualquer preço e quanto mais, melhor, agora e no futuro. No dia 15 de junho de 2012, um grupo de policiais que ia cumprir uma ordem de despejo no departamento de Canindeyú, na fronteira com o Brasil, foi emboscado por franco-atiradores, misturados com camponeses que pediam terras para sobreviver. A ordem de despejo foi dada por um juiz e uma promotora para proteger um latifundiário. Resultado da ação: 17 mortos, 6 policiais e 11 camponeses, além de dezenas de feridos graves. As consequências: o governo frouxo e tímido de Fernando Lugo caiu com debilidade ascendente e extrema, cada vez mais à direita, a ponto de ser levado a julgamento político por um Congresso dominado pela direita.
Trata-se de um duro revés para a esquerda e para as organizações sociais e campesinas, acusadas pela oligarquia latifundiária de instigar os camponeses. Representa ainda um avanço do agronegócio extrativista nas mãos de multinacionais como a Monsanto, mediante a perseguição dos camponeses e a tomada de suas terras. Finalmente, implica a instalação de um cômodo palco para as oligarquias e os partidos de direita para seu retorno triunfal nas eleições de 2013 ao poder Executivo.
No dia 21 de outubro de 2011, o Ministério da Agricultura e Pecuária, dirigido pelo liberal Enzo Cardozo, liberou ilegalmente a semente de algodão transgênico Bollgard BT, da companhia norteamericana de biotecnologia Monsanto, para seu plantio comercial no Paraguai. Os protestos de organizações camponesas e ambientalistas foram imediatos. O gene deste algodão está misturado com o gene do Bacillus thurigensis, uma bactéria tóxica que mata algumas pragas do algodão, como as larvas do bicudo, um coleóptero que deposita seus ovos no botão da flor do algodão.
O Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal e de Sementes (Senave), instituição do Estado paraguaio dirigida por Miguel Lovera, não inscreveu essa semente nos registros de cultivares pela falta de parecer do Ministério da Saúde e da Secretaria do Ambiente, como exige a legislação.
Campanha midiática
Nos meses posteriores, a Monsanto, por meio da União de Grêmios de Produção (UGP), estreitamente ligada ao grupo Zuccolillo, que publica o jornal ABC Color, lançou uma campanha contra o Senave e seu presidente por não liberar o uso comercial em todo o país da semente de algodão transgênico da Monsanto. A contagem regressiva decisiva parece ter iniciado com uma nova denúncia por parte de uma pseudosindicalista do Senave, chamada Silvia Martínez, que, no dia 7 de junho, acusou Lovera de corrupção e nepotismo na instituição que dirige, nas páginas do ABC Color. Martínez é esposa de Roberto Cáceres, representante técnico de várias empresas agrícolas, entre elas a Agrosan, recentemente adquirida por 120 milhões de dólares pela Syngenta, outra transnacional, todas sócias da UGP.
No dia seguinte, 8 de junho, a UGP publicou no ABC uma nota em seis colunas: “Os 12 argumentos para destituir Lovera”. Estes supostos argumentos foram apresentados ao vice-presidente da República, correligionário do ministro da Agricultura, o liberal Federico Franco, que naquele momento era o presidente interino do Paraguai, em função de uma viagem de Lugo pela Ásia.
No dia 15, por ocasião de uma exposição anual organizada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, o ministro Enzo Cardoso deixou escapar um comentário diante da imprensa que um suposto grupo de investidores da Índia, do setor de agroquímicos, cancelou um projeto de investimento no Paraguai por causa da suposta corrupção no Senave. Ele nunca esclareceu que grupo era esse. Aproximadamente na mesma hora daquele dia, ocorriam os trágicos eventos de Curuguaty.
No marco desta exposição preparada pelo citado Ministério, a Monsanto apresentou outra variedade de algodão, duplamente transgênica: BT e RR, ou Resistente ao Roundup, um herbicida fabricado e patenteado pela transnacional. A pretensão da Monsanto é a liberação desta semente transgênica no Paraguai, tal como ocorreu na Argentina e em outros países do mundo.
Antes desses fatos, o diário ABC Color denunciou sistematicamente, por supostos atos de corrupção, a ministra da Saúde, Esperanza Martínez, e o ministro do Ambiente, Oscar Rivas, dois funcionários do governo que não deram parecer favorável a Monsanto.
Em 2001, a Monsanto faturou 30 milhões de dólares, livre de impostos (porque não declara essa parte de sua renda), somente na cobrança de royalties pelo uso de sementes de soja transgênica no Paraguai. Toda a soja cultivada no país é transgênica, numa extensão de aproximadamente 3 milhões de hectares, com uma produção em torno de 7 milhões de toneladas em 2010.
Por outro lado, na Câmara de Deputados já se aprovou o projeto de Lei de Biossegurança, que cria um departamento de biossegurança dentro do Ministério da Agricultura, com amplos poderes para a aprovação para cultivo comercial de todas as sementes transgênicas, sejam de soja, de milho, de arroz, algodão e mesmo algumas hortaliças. O projeto prevê ainda a eliminação da Comissão de Biossegurança atual, que é um ente colegiado forma por funcionários técnicos do Estado paraguaio.
Enquanto transcorriam todos esses acontecimentos, a UGP preparava um ato de protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo para o dia 25 de junho. Seria uma manifestação com máquinas agrícolas fechando estradas em distintos pontos do país. Uma das reivindicações do chamado “tratoraço” era a destituição de Miguel Lovera do Senave, assim como a liberalização de todas as sementes transgênicas para cultivo comercial.
As conexões
A UGP é dirigida por Héctor Cristaldo, apoiado por outros apóstolos como Ramón Sánchez – que tem negócios com o setor dos agroquímicos -, entre outros agentes das transnacionais do agronegócio. Cristaldo integra o staff de várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo Zuccolillo, diretor proprietário do diário ABC Color, desde sua função sob o regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
O grupo Zuccolillo é sócio principal no Paraguai da Cargill, uma das maiores transnacionais do agronegócio no mundo. A sociedade entre os dois grupos construiu um dos portos graneleiros mais importantes do Paraguai, denominado Porto União, a 500 metros da área de captação de água da empresa de abastecimento do Estado paraguaio, no Rio Paraguai, sem nenhuma restrição.
As transnacionais do agronegócio no Paraguai praticamente não pagam impostos, mediante a férrea proteção que tem no Congresso, dominado pela direita. A carga tributária no Paraguai é apenas de 13% sobre o PIB. Cerca de 60% do imposto arrecadado pelo Estado paraguaio é via Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Os latifundiários não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da carga tributária, cerca de 5 milhões de dólares, segundo estudo do Banco Mundial, embora a renda do agronegócio seja de aproximadamente 30% do PIB, o que representa cerca de 6 bilhões de dólares anuais.
O Paraguai é um dos países mais desiguais do mundo. Cerca de 85% das terras, aproximadamente 30 milhões de hectares, estão nas mãos de 2% de proprietários, que se dedicam à produção meramente para exportação ou, no pior dos casos, à especulação sobre a terra. A maioria desses oligarcas possui mansões em Punta del Este ou em Miami e mantém estreitas relações com transnacionais do setor financeiro, que guardam seus bens mal havidos nos paraísos fiscais ou tem investimentos facilitados no exterior. Todos eles, de uma ou outra maneira, estão ligados ao agronegócio e dominam o espectro político nacional, com amplas influências nos três poderes do Estado. Ali reina a UGP, apoiada pelas transnacionais do setor financeiro e do agronegócio.
Boaventura estará em Porto Alegre durante o Fórum Social Temático 2012…
“A direita só se interessa pela democracia na medida em que esta serve aos seus interesses. Por isso, as esquerdas são hoje a grande garantia do resgate da democracia. Estarão à altura da tarefa? Terão a coragem de refundar a democracia para além do liberalismo? Uma democracia anticapitalista ante um capitalismo cada vez mais antidemocrático?”
Uma democracia anti-capitalista é possível?
por Boaventura de Sousa Santos
As divisões históricas entre as esquerdas foram justificadas por uma imponente construção ideológica mas, na verdade, a sua sustentabilidade prática—ou seja, a credibilidade das propostas políticas que lhes permitiram colher adeptos—assentou em três fatores: o colonialismo, que permitiu a deslocação da acumulação primitiva de capital (por despossessão violenta, com incontável sacrifício humano, muitas vezes ilegal mas sempre impune) para fora dos países capitalistas centrais onde se travavam as lutas sociais consideradas decisivas; a emergência de capitalismos nacionais com características tão diferenciadas (capitalismo de estado, corporativo, liberal, social-democrático) que davam credibilidade à ideia de que haveria várias alternativas para superar o capitalismo; e, finalmente, as transformações que as lutas socias foram operando na democracia liberal, permitindo alguma redistribuição social e separando, até certo ponto, o mercado das mercadorias (dos valores que têm preço e se compram e se vendem) do mercado das convicções (das opções e dos valores políticos que, não tendo preço, não se compram nem se vendem). Se para algumas esquerdas tal separação era um fato novo, para outras, era um ludíbrio perigoso.
Os últimos anos alteraram tão profundamente qualquer destes fatores que nada será como dantes para as esquerdas tal como as conhecemos. No que respeita ao colonialismo as mudanças radicais são de dois tipos. Por um lado, a acumulação de capital por despossessão violenta voltou às ex-metrópoles (furtos de salários e pensões; transferências ilegais de fundos colectivos para resgatar bancos privados; impunidade total do gangsterismo financeiro) pelo que uma luta de tipo anti-colonial terá de ser agora travada também nas metrópoles, uma luta que, como sabemos, nunca se pautou pelas cortesias parlamentares. Por outro lado, apesar de o neocolonialismo (a continuação de relações de tipo colonial entre as ex-colónias e as ex-metrópoles ou seus substitutos, caso dos EUA) ter permitido que a acumulação por despossessão no mundo ex-colonial tenha prosseguido até hoje, parte deste está a assumir um novo protagonismo (India, Brasil, Africa do Sul, e o caso especial da China, humilhada pelo imperialismo ocidental durante o século XIX) e a tal ponto que não sabemos se haverá no futuro novas metrópoles e, por implicação, novas colônias.
Quanto aos capitalismos nacionais, o seu fim parece traçado pela máquina trituradora do neoliberalismo. É certo que na América Latina e na China parecem emergir novas versões de dominação capitalista mas intrigantemente todas elas se prevalecem das oportunidades que o neoliberalismo lhes confere. Ora, 2011 provou que a esquerda e o neoliberalismo são incompatíveis. Basta ver como as cotações das bolsas sobem na exata medida em que aumenta desigualdade social e se destrói a proteção social. Quanto tempo levarão as esquerdas a tirar as consequências?
Finalmente, a democracia liberal agoniza sob o peso dos poderes fáticos (Máfias, Maçonaria, Opus Dei, transnacionais, FMI, Banco Mundial) e da impunidade da corrupção, do abuso do poder e do tráfico de influências. O resultado é a fusão crescente entre o mercado político das ideias e o mercado econômico dos interesses. Está tudo à venda e só não se vende mais porque não há quem compre. Nos últimos cinquenta anos as esquerdas (todas elas) deram uma contribuição fundamental para que a democracia liberal tivesse alguma credibilidade junto das classes populares e os conflitos sociais pudessem ser resolvidos em paz. Sendo certo que a direita só se interessa pela democracia na medida em que esta serve os seus interesses, as esquerdas são hoje a grande garantia do resgate da democracia. Estarão à altura da tarefa? Terão a coragem de refundar a democracia para além do liberalismo? Uma democracia robusta contra a antidemocracia, que combine a democracia representativa com a democracia participativa e a democracia direta? Uma democracia anticapitalista ante um capitalismo cada vez mais antidemocrático?
(*) Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). Publicado na Carta Maior.
Fonte: http://rsurgente.opsblog.org/2012/01/11/uma-democracia-anti-capitalista-e-possivel/
Ambientalista avant la lettre gaúcho, fundador da União Protetora da Natureza – UPN, Roessler foi um dos precursores da proteção ambiental no Brasil, destaca Elenita Malta Pereira. Sua luta para conscientizar a população se dava através de artigos em jornais e em fiscalizações a campo
Conhecido em todo o Rio Grande do Sul nos anos 1940-60, Henrique Luiz Roessler atuava como fiscal das contravenções à natureza no estado. Em sua trajetória “prática e escrita estavam imbricadas de maneira indissociável, como armas em sua luta para defender a natureza dos devastadores”, explica Elenita Malta Pereira na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line. Munido de leituras e conhecimentos, Roessler tinha um grande diferencial: “aplicar, na prática, o conteúdo dessas leituras e, através das crônicas jornalísticas, difundir esses conhecimentos para o público em geral”. Já àquele tempo ele queixava-se da falta de verbas e, inclusive, de um veículo para fazer as fiscalizações a campo. Fundou a União Protetora da Natureza – UPN e foi incansável na denúncia dos ataques contra o patrimônio natural gaúcho. Para Elenita, “hoje, quando as consequências dos exageros na exploração da natureza estão visíveis a todos, provocando situações ainda não dimensionadas pelo homem, como as mudanças climáticas e o colapso de inúmeros ecossistemas, o discurso de Roessler ainda faz sentido”.
Graduada, mestre e doutoranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Elenita é autora da dissertação Um protetor da natureza: trajetória e memória de Henrique Luiz Roessler, que intitula sua palestra nesta quinta-feira, 17-11-2011, no IHU ideias, das 17h30min às 19h, na Sala Ignácio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quem foi Henrique Luiz Roessler? Qual é o contexto de sua vida, luta e origens?
Elenita Malta Pereira – Roessler era filho de descendentes de imigrantes alemães oriundos da região próxima à fronteira com a França. Sua família era proprietária da empresa Pedro Blauth & Companhia, que atuava no ramo da navegação no Rio dos Sinos. Nasceu em Porto Alegre em 1896, mas ainda bebê veio com os pais morar em São Leopoldo, cidade onde, mais tarde, foi desenhista, construtor de barcos, escultor e contabilista. Estudou no colégio jesuíta Nossa Senhora da Conceição, onde passeios ao ar livre e banhos no Rio dos Sinos faziam parte da rotina dos estudantes.
A atividade que o tornou um personagem conhecido em todo o Rio Grande do Sul nos anos 1940-60 foi uma eficiente atuação como fiscal das contravenções à natureza no estado. Em 1934, um conjunto de leis de proteção à natureza começou a ser publicado pelo governo de Getúlio Vargas, como o Código de Caça e Pesca e o Código das Águas. Também nesse ano apareceu o primeiro Código Florestal brasileiro, que previa a formação de uma polícia florestal em todo o Brasil. Em 1939, Roessler, que já era capataz do Rio dos Sinos – remunerado – desde 1937, ofereceu-se para trabalhar gratuitamente nessa polícia, ocupando o cargo de delegado florestal. Cinco anos depois, acumulou a função de fiscal de caça e pesca. Os dois cargos eram vinculados ao Ministério da Agricultura, na época o órgão responsável pela proteção à natureza no país.
IHU On-Line – Em que aspectos é possível dizer que Roessler foi um dos precursores da proteção ambiental no Brasil?
Elenita Malta Pereira – No contexto em que Roessler viveu já havia discussão ambiental, mas não da forma abrangente como há hoje. O termo “ecologia”, até o início dos anos 1970, estava restrito ao meio acadêmico e, pelo que pude verificar, nunca foi utilizado por Roessler. Ele se apoiava em leituras de revistas de divulgação, como “Caça e Pesca”, editada por Monteiro Lobato , “Chácaras e quintais”, uma das mais importantes publicações da época, e de livros escritos por autores brasileiros e estrangeiros sobre conservação dos elementos naturais. O seu grande diferencial foi aplicar, na prática, o conteúdo dessas leituras e, através de crônicas jornalísticas, difundir esses conhecimentos para o público em geral. Na trajetória de Roessler, prática e escrita estavam imbricadas de maneira indissociável, como armas em sua luta para defender a natureza dos devastadores.
IHU On-Line – Quais eram suas principais atitudes de denúncia e conscientização sobre o cuidado com o ambiente?
Elenita Malta Pereira – Fiscalizando tanto as margens do Rio dos Sinos como o desmatamento, as queimadas, a caça e a pesca ilegais, Roessler viajou por todos os cantos do Rio Grande do Sul, aplicando autos de infração, multas e se envolvendo em conflitos com quem não aceitava sua fiscalização rigorosa. Um dos maiores problemas que ele enfrentou foram as “passarinhadas”, uma prática muito apreciada nas cidades que receberam grupos étnicos italianos no estado. Roessler e os “passarinheiros” protagonizaram episódios de violência física e, principalmente, simbólica em xingamentos de ambas as partes: para os caçadores, Roessler era um “cangaceiro”, “autoritário”, “nazista”, que atrapalhava suas passarinhadas. Para Roessler, os caçadores eram “tarados de alma negra”, “assassinos”, movidos por uma “herança maldita” de seus antepassados.
Em uma dessas fiscalizações, em 1952, Roessler sofreu um acidente em que perdeu o pé direito. Isso o obrigou a ficar dez meses afastado da fiscalização (o que foi uma tortura para ele!) e a usar uma prótese mecânica para o resto da vida. A perna substituta provocava dores, mas não o suficiente para afastá-lo das diligências de fiscalização. Depois do período de repouso, ele voltou a fiscalizar e, em abril de 1954, sofreu um processo judicial movido pelos caçadores de passarinhos, vivendo um dos períodos mais difíceis da sua vida.
Amor à natureza
Em dezembro de 1954, ele foi destituído dos cargos de delegado florestal e de fiscal de caça e pesca, por conta de um novo estatuto dos funcionários públicos, que não permitia funções não remuneradas (Lei 1.711/52). Para contornar a situação, entre as alternativas possíveis, Roessler, espelhando-se em iniciativas semelhantes no exterior e no Brasil, fundou a União Protetora da Natureza – UPN, em 01-01-1955. A UPN, sediada em São Leopoldo, foi a primeira entidade de proteção à natureza do Rio Grande do Sul em sentido amplo: sua militância abrangia a defesa de todos os elementos naturais. Em 1955, Roessler conseguiu, pelo menos, reaver uma das credenciais perdidas. Através do contato com amigos influentes, conseguiu continuar como fiscal de caça e pesca, no âmbito da Secretaria de Agricultura estadual. Dessa forma, atuando na UPN e na fiscalização, ao mesmo tempo, pôde aliar a atuação prática, coibindo as transgressões das leis protetoras, com uma série de campanhas educativas pela proteção dos elementos naturais, através de palestras e distribuição de panfletos em escolas, clubes assistencialistas, a agricultores e ao público em geral.
Em fevereiro de 1957, Roessler se tornou colunista do jornal Correio do Povo, na seção “Assuntos Rurais”, publicando crônicas sobre os problemas ambientais do Rio Grande do Sul daquele contexto, sempre às sextas-feiras. Esse espaço foi importantíssimo em sua trajetória, porque tornou seu trabalho conhecido por um número bem maior de pessoas. Ao todo, ele publicou cerca de 300 textos, abordando a questão florestal (desmatamento, queimadas, reflorestamento), o drama dos rios (poluição industrial, morte de peixes envenenados, projetos de retificação do Rio dos Sinos), a matança de pássaros motivada pela “passarinhada”, a pesca ilegal (utilização de objetos proibidos, dinamite), a matança de alevinos nas bombas de sucção nas lavouras de arroz, o impacto da moda (casacos de peles, adereços com penas de pássaros), os direitos dos animais (utilização de animais como cobaias, vivissecção, crueldades), a constituição de parques e reservas naturais, a educação de crianças e jovens para a proteção da natureza e o questionamento da noção de “progresso”. Essa variedade de temas era tratada com uma linguagem ácida, corrosiva até, permeada de ironia muitas vezes. É que Roessler queria muito chamar a atenção das pessoas sobre a urgência de se mudar a conduta em relação à natureza: para ele, era preciso criar, forjar, o amor à natureza e a mentalidade de conservação dos elementos naturais.
IHU On-Line – Como essas críticas eram recebidas pelas empresas e pelo poder público? Ele tinha apoio da população em sua causa?
Elenita Malta Pereira – Essa foi uma questão interessante que apareceu em minha pesquisa. Havia empresas que o apoiavam, como fabricantes de armas e vendedores de artigos para a caça e pesca em geral. Essas empresas patrocinavam seus cartazes e panfletos educativos, numa espécie de “marketing socioambiental”, parecido com o que vemos atualmente. Por mais paradoxal que isso possa parecer hoje, Roessler não era contra a caça legalizada, e sim contra a caça ilegal, fora de época e que matasse espécies não permitidas por lei. Mas houve conflitos com curtumes da região do Vale do Rio dos Sinos, que despejavam seus resíduos in natura, contaminando a água bebida pelas populações ribeirinhas. Em fevereiro de 1961, houve uma grande mortandade de peixes no Rio dos Sinos provocada pelos detritos dos curtumes, segundo Roessler. Ele chegou a enviar carta a Jânio Quadros , solicitando providências. O presidente sensibilizou-se com o ocorrido e sancionou um decreto (50.877/61) com medidas mais rigorosas para a punição dos estabelecimentos que lançassem resíduos nos rios. Quando ele renunciou, Roessler ficou desolado, porque, em sua opinião, foi o único presidente que se importou com os recursos naturais do país. No entanto, em geral, o governo apoiava mais no discurso do que na prática, porque criava órgãos e publicava leis, mas Roessler queixava-se constantemente da falta de verbas e até de um veículo para realizar as diligências de fiscalização. Pelo que pude apurar, seus leitores no Correio do Povo o apoiavam, especialmente os professores, que, aliás, eram fundamentais para o sucesso das campanhas educativas da UPN.
IHU On-Line – Quais são as principais atividades da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler?
Elenita Malta Pereira – A Fundação Estadual de Proteção Ambiental – Fepam, além de conceder licenças ambientais, é um dos órgãos responsáveis pela fiscalização e aplicação das leis de proteção ambiental no estado. Ela faz mais ou menos o que Roessler fazia, através do Serviço Florestal e da Divisão de Caça e Pesca. Por isso o homenageou Roessler em seu nome.
IHU On-Line – Em que ideias se baseava a produção escrita de Roessler?
Elenita Malta Pereira – Um aspecto que não havia sido previsto no início de meu trabalho, mas que acabou ocupando um espaço importante na pesquisa, foi a “ideia de natureza” de Roessler. A partir da análise de uma amostragem de textos correntes no Rio Grande do Sul e no Brasil, bem como de autores citados em suas crônicas jornalísticas, foi possível constatar que ele estava muito bem sintonizado com o que se produzia sobre o tema. Seu discurso se alicerçava no nacionalismo, na educação e na religião. Articulando esses três elementos, formulou sua concepção de natureza: uma criação divina, uma dádiva de Deus aos humanos e, ao mesmo tempo, o patrimônio maior da nação, por isso o incentivo à sua proteção, através de campanhas educativas, era fundamental. Somente quando as pessoas entendessem o quanto a natureza era importante, haveria esperança de um amanhã; o uso responsável dos elementos naturais era necessário para que as gerações futuras não sofressem com a falta deles, bem como a reserva de áreas naturais, ainda “intocadas” pelo homem. Esses dois princípios nortearam toda sua atuação e pensamento: conservação e preservação; eram seus mandamentos, sua profecia, que ele seguia e anunciava à sociedade. Roessler se sentia um predestinado, apresentava-se mesmo como um profeta, prevendo que, se o homem não fizesse sua parte, a terra se tornaria um deserto, um inferno. Incorporando um discurso que sacralizava a natureza, através da utilização de imagens religiosas e reforçando a culpa humana pela destruição dos elementos naturais, visava atingir o maior número possível de adeptos para sua crença: a religião da proteção à natureza.
Fonte: IHU
Lamentável é saber que, em pleo Estado de Direito, na vigência de uma Constituição “super” democrática, cenas como essa, típicas de um porão de uma ditadura latinoamericana, uma instituição de ensino superior é conivente com a supremacia da força sobre o debate de idéias. Será que o Ministério da Educação (MEC) também é?
Aos seus adversários de debate, aqueles que querem flexibilizar o Código Florestal, empurrarm os “seguranças” e não suas idéiais. Preferem a truculência do que o respeito as visões diferentes. Não é de duvidar, já que é dificil argumentar pelo desmatamento pró-agronegócio internacional!!!!
O evento foi organizado pela Associação dos Bacharéis da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (Abamack) e o Centro Acadêmico João Mendes Júnior, da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ocorrido na sexta-feira (07.10), intitulado: “Reforma do Código Florestal – Buscando uma Solução de Consenso”. Puxa, o que fariam se não fossem favoráveis ao consenso, “se fossem” simpatizantes do autoritarismo, da visão única?
Veja mais, inclusive o que pensam sobre a sociedade civil descapitalizada, ou seja, as organizações não governamentais (ONGs), durante o seminário “A Reforma do Código Florestal” realizado na manhã de em 15 de agosto de 2011, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP):

Por Elenita Malta Pereira*
Em meio às comemorações dos 50 anos da Campanha da Legalidade, convém trazermos à tona memórias e relatos sobre esse importante movimento de resistência. Em 31/08/61, Henrique Luiz Roessler escreveu uma carta à neta Marli Guinter, que se encontrava nos Estados Unidos, informando-a sobre os episódios no Rio Grande do Sul. Hoje, essa carta é um interessante documento sobre aqueles acontecimentos. Roessler (1896-1963), ex-delegado florestal regional, fundador da União Protetora da Natureza (primeira entidade de proteção ambiental do Estado, em 1955), articulista do jornal Correio do Povo, morava em São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre, e acompanhava atentamente os eventos. Ele estava decepcionado com a renúncia de Jânio Quadros, o qual admirava pelas leis favoráveis à natureza sancionadas como governador de São Paulo e, em seu curto mandato presidencial, por um decreto que regulava o despejo de resíduos industriais nos rios.
Segundo Roessler, dirigindo-se à neta, “o desentendimento houve, quando Janio deu uma medalha para o vermelho ‘Che’ Guevara, o que revoltou toda a nação”. Em 25 de agosto, Jânio renunciou, e rumores de um possível golpe militar começam a ganhar força. No entanto, o povo queria que o vice Jango (João Goulart) assumisse, queria “o cumprimento da constituição e que se mantivesse a ordem democrática”.
Para que a constituição se cumprisse, o governador do Rio Grande do Sul na época, Leonel Brizola, organizou um movimento de resistência ao golpe. Tinha início a Campanha da Legalidade, com o apoio de militares gaúchos do III Exército, comandado pelo general Machado Lopes. Brizola requisitou a rádio Guaíba, de Porto Alegre e, através de seus microfones, proferiu discursos, conclamando a população a defender a posse de Jango. Diversas emissoras uniram-se à Guaíba e transmitiram os pronunciamentos de Brizola para todo país, na que ficou conhecida como “Rede da Legalidade”. Segundo Roessler, muitos largaram “o serviço e foram para as ruas e praças para apoiar Brizola, o nervosismo tomou conta das famílias. Circulam a todo instante novas e alarmantes notícias”. Quando os militares decidiram bombardear o Palácio Piratini, “a coisa ficou preta. Famílias fugiam, reinou a confusão” e “os curiosos, em vez de se afastarem, correram à Praça da Matriz para assistir ao raríssimo espetáculo de um bombardeio (…) um bêbado deu três tiros, ferindo-se a si mesmo e dois outros, o que originou um grande pânico por alguns momentos”.
Quando os oito aviões que fariam o bombardeio foram presos na base aérea de Canoas, “a coisa melhorou”. Entretanto, segundo Roessler, ninguém mais trabalhava, “o rádio grita dia e noite, e como se isso não bastasse, instalaram alto-falantes em toda a parte e em Porto Alegre ainda carros equipados com esses alto-falantes correm pelas ruas fazendo um infernal berreiro”. As ruas centrais ficaram apinhadas de militares e civis, estes armados fortemente, “à procura de ‘generais’ para darem tiros, mas como agora eles se cambaram para o lado de Jango, não encontram outros para matar. Alguns carregam trabucos tão grandes na cintura, que chegam a caminhar curvados; exibindo esses pequenos canhões nos cafés e deixando-se fotografar, estão tristes porque não encontram alvos (generais). É uma verdadeira comédia”.
No dia anterior à escrita da carta, Brizola havia feito um grande comício, em frente ao Piratini, onde usou sua habilidade retórica: “quando Brizola disse que quer morrer se não puder viver com honra, fez o povo delirar de entusiasmo”. Além das ameaças de bombardeios, os bancos fecharam, e as mercadorias ficaram escassas, causando preocupação a Roessler: “Todos estão se sortindo de gêneros alimentícios e já há falta de farinha de trigo. A gasolina já foi toda requisitada pelas Forças Armadas (…). Amanhã já não haverá pão; sei de alguns que deixaram para hoje fazer rancho e pelo fechamento dos bancos ficaram sem dinheiro e os armazéns estão ficando vazios”.
Ao final da carta, ele lamentou, inconformado com a renúncia de Jânio: “É uma tristeza que a política não deixa a nossa Pátria sair da Era de Republiqueta da Banana. Mal está querendo se aprumar um pouco com a ajuda de outros povos amigos, como no governo de Jânio, já vem um baque brabo, que leva tudo para o fundo da lama de novo”. O discurso patriótico do ex-presidente, embalado na campanha eleitoral com o jingle “varre, varre, vassourinha”, atraiu a simpatia de Roessler. Infelizmente, após a renúncia de Jânio, não foi cobrado o cumprimento do decreto que punia o despejo de substâncias industriais nos rios. Diversos governantes se sucederam, mas a situação (para os rios brasileiros), passados 50 anos, não mudou, pelo contrário, agravou-se, se lembrarmos das recorrentes mortandades de peixes em diversos Estados. É possível concordar com Roessler que, em certos aspectos, continuamos uma República de Bananas, só que sem sabor de banana, de tanto agrotóxico colocado nelas atualmente…
Dias após a escrita da carta, em 2/09/61, a situação se acalmou com a aprovação no Congresso de uma saída através do parlamentarismo, e Jango foi empossado Presidente no dia 7 de setembro. Não era a solução ideal, mas pelo menos, não houve “derramamento de sangue”, o que nem Jango nem Roessler queriam. O legado do Movimento da Legalidade, 50 anos depois, é a vitória da democracia; mesmo que o golpe viesse três anos depois, num contexto bem diferente. Em 1961, a sociedade venceu e conseguiu fazer valer os valores democráticos, o que, ainda hoje, não devemos (jamais) perder de vista.
Jânio concedendo a medalha a Che Guevara
Capa da Revista do Globo – Brizola falando para a “Rede da Legalidade”
Este é o Roessler
*Elenita Malta Pereira é Mestre em História (UFRGS).
Fonte: http://www.outraspalavras.net/2011/08/31/um-ambientalista-ve-a-legalidade/
por Francisco Cougo Jr.*
O prefeito e os vereadores do Rio Grande precisaram mexer no vespeiro da memória sobre a última ditadura cívico-militar brasileira (1964-1985) para ganhar projeção nacional. A ideia de homenagear o general Golbery do Couto e Silva, que começou no final de 2009 (quando o projeto foi aprovado quase sem resistências pela Câmara) e passou a ser executada no domingo, 22 de agosto (com o lançamento da pedra fundamental do monumento se pretende erigir em breve, na Praça Tamandaré), correu o Brasil; foi assunto em portais de notícias, no Correio do Povo, no Jornal do Brasil e até na Folha de São Paulo.
Em todas as matérias, o óbvio: homenagear um dos personagens mais influentes da ditadura é uma ideia, no mínimo, absurda.
Golbery do Couto e Silva, rio-grandino de nascimento, faria cem anos em 2011. Ele foi um dos mentores do regime que governou o Brasil com mão de ferro durante 21 anos. Mais do que isso, o “satânico Dr. Go” (como o intitula um importante estudo da socióloga Vânia Assunção) foi um golpista nato, anticomunista e antidemocrata convicto que, a partir dos anos 50, esteve presente em todas as manobras responsáveis pelas instabilidades que abalaram governos democraticamente eleitos pelo povo. Foi assim em 1955, quando Golbery articulou a “Novembrada”, para impedir a posse de Juscelino Kubitchek (e foi preso por isso); em 61, quando inventou a fórmula parlamentarista, esvaziando o poder do presidente João Goulart; em 62, ano em que assumiu o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), responsável pela propaganda anti-Jango; e em 64, quando foi golpista de primeira hora.
A partir da implantação da ditadura, Couto e Silva esteve à frente de alguns dos mais importantes órgãos do regime. Em 1964, transferiu o banco de dados do IPES para o Serviço Nacional de Informações (SNI) e criou a máquina de perseguição e patrulhamento ideológico que emitia informes e pedidos de busca e apreensão em todo o país. Esta estrutura monstruosa criou os subsídios que permitiram a ação dos órgãos de repressão, responsáveis diretos pelo desaparecimento, pela morte e pela tortura de centenas de brasileiros. Tudo isto está documentado, já foi tema de filmes, livros, teses e debates mundo afora. Entretanto, o prefeito do Rio Grande, Fábio Branco, já admitiu que nada sabe sobre o homem que pretende homenagear na principal praça do município. Através de seu chefe de gabinete, Edes Cunha, Branco deu uma das declarações que mais surpreenderam a mídia nacional até agora: “Não vou entrar no mérito de se ele era de ditadura ou não. Eu não era nem nascido” – disse, revoltando entidades de Direitos Humanos em todo o país.
Seguindo a mesma linha, a vereadora Lu Compiani (que também é primeira-dama de Rio Grande), defendeu a criação da homenagem. Segundo sua assessora, Alda Lages, “acreditamos que ele usou o regime político do qual fazia parte para beneficiar sua cidade natal e alavancar seu crescimento”. A vereadora atribui a Golbery – que jamais exerceu qualquer cargo diretamente relacionado à política rio-grandina – uma série de benesses, como a pavimentação de ruas. Verdadeiras ou não, em última instância, o que a edil afirma é que a cidade se beneficiou do poder de influência de Couto e Silva nas esferas federais. Trocando em miúdos, trata-se de uma defesa às nefastas práticas clientelistas, que tanto assolam a política brasileira.
Monumentos – sejam estátuas, bustos ou simples placas – são lugares de memória e devem ser construídos com cautela. Eles são responsáveis por sacramentar materialmente a História, fazendo-nos lembrar do passado. Para que sejam erigidos, deve-se refletir atentamente acerca de seus sentidos e intenções. Contudo, esta reflexão não está acontecendo em relação ao monumento que se pretende construir em memória do pai do serviço de espionagem e perseguição política no Brasil. No momento em que a História do país caminha em busca de memória, verdade e justiça, Rio Grande vai, portanto, na contramão dos fatos, ofendendo as vítimas daqueles anos de chumbo e todos os que condenam os regimes antidemocráticos. O site Petição Pública apresenta um abaixo-assinado de repúdio ao monumento em homenagem ao general Golbery do Couto e Silva em Rio Grande. Já são mais de 800 assinaturas. Cabe aos cidadãos de bem participar desta campanha.
*Historiador
Fonte: JornalAgora
Pois então, a cidade-natal do CEA (e de muitos de seus integrantes) tirou, ou melhor, o atual prefeito de Rio Grande, Fábio Branco, tirou da “cartola” a brilhante idéia de homenagear um… ditador. Sim, em tempos de democracia, o Chefe do Executivo (que já teve prefeito biônico durante a ditadura) aprovou projeto, juntamente com a Câmara de Vereadores, de homenagem ao general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), um dos principais nomes da última ditadura militar brasielira. A prefeitura lembrou o centenário do nascimento do general referido, no último dia 21, com uma cerimônia e um projeto de monumento na praça central. Obviamente muitos estão indignados com tal despropósito. Um abaixo-assinado online já há e protestos estão sendo planejados e executados.
Agora seria fundamental uma postura para lembrar o que não devemos mais permitir que aconteça: um país vivendo sob uma ditadura (torturas, assassinatos, supressão do Estado de Direito), submetido a força a um momento anti-direitos humanos, ambientais e sociais. Gastar o dinheiro público para homenagear e exalatar pessoas e valores antidemocratas não é constitucional e inadmissível numa democracia.
Será que o atual prefeito não condena a posturas ditadoriais (de direita e de esquerda) que ainda existem no planeta, como de Kadaffi, na Líbia, por exemplo? Fica abaixo uma reflexão.
Tem coisas que só acontecem no Brasil
Por Rodrigo Cardia
Fui à versão chilena do Google Maps fiz uma busca por “avenida Augusto Pinochet”, para ver se havia alguma com o nome do ex-ditador do país (1973-1990). Não encontrei, troquei “avenida” por “calle”, e o resultado foi idêntico, tentei “plaza” e de novo, nada. O Chile não homenageia Pinochet sequer em algum nome de praça.
Então me dirigi “ao leste”: busquei logradouros com nomes de alguns ex-ditadores da Argentina e, de novo, não encontrei.
Na versão paraguaia, busquei logradouros com o nome de Alfredo Stroessner, ex-ditador do Paraguai (1954-1989). Aí sim apareceram dois resultados: uma “colônia” e uma praça. Só que a primeira homenageia Stroessner apenas como general, já a praça o chama de “presidente”. Ah, e se o leitor pensa que ambos os lugares se encontram no Paraguai, se enganou.
A “colônia”, essa sim é no país que Stroessner governou ditatorialmente, já a praça (que, lembrando, o homenageia como “presidente”) se encontra no Brasil… Mais precisamente, em Guaratuba (PR).
Onde mais poderia ser, né? Afinal, o que não falta em nosso país é praça, rua e avenida que homenageie ex-ditador (aqui em Porto Alegre, por exemplo, a principal via de entrada da cidade se chama “avenida Castelo Branco”). Até bairros, e mesmo cidades temos. É só fazer uma busca no Google Maps pelo nome de algum ex-ditador.
Então, não me surpreende que em Rio Grande se queira homenagear com um monumento o general Golbery do Couto e Silva. Nascido na cidade em 21 de agosto de 1911, Golbery conspirou por vários anos contra a democracia brasileira, e foi um dos principais elaboradores do golpe de 1964. Porém, como a maioria das pessoas têm “memória curta”, Golbery acabou entrando para a história como “democrata”, por ter articulado a abertura “lenta, segura e gradual” (que fez a ditadura no Brasil terminar numa eleição indireta). Sim, “abertura política” depois do “fechamento” para o qual ele também colaborou decisivamente… Muito fácil ser “democrata” assim.
Só nos resta uma alternativa (que não é “deitar e chorar”): fazer pressão!
Clique e subscreva o abaixo-assinado contra o monumento em homenagem a Golbery.
Fonte: http://caouivador.wordpress.com/2011/09/01/tem-coisas-que-so-acontecem-no-brasil/
Leia Mais>> O roteiro de Golbery por Mino Carta
Os porquês da fome
por Esther Vivas
Vivemos em um mundo de abundância. Hoje se produz comida para 12 bilhões de pessoas, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), quando no planeta habitam 7 bilhões. Comida, existe. Então, por que uma em cada sete pessoas no mundo passa fome?
A emergência alimentar que afeta mais de 10 milhões de pessoas no Chifre da África voltou colocar na atualidade a fatalidade de uma catástrofe que não tem nada de natural. Secas, inundações, conflitos bélicos… contribuem para agudizar uma situação de extrema vulnerabilidade alimentar, mas não são os únicos fatores que a explicam.
A situação de fome no Chifre da África não é novidade. Somália vive uma situação de insegurança alimentar ha 20 anos. E, periodicamente, os meios de comunicação removem nossos confortáveis sofás e nos recordam o impacto dramático da fome no mundo. Em 1984, quase um milhão de pessoas mortas na Etiópia; em 1992, 300 mil somalenses faleceram por causa da fome; em 2005, quase cinco milhões de pessoas a beira da morte no Malaui, só para citar alguns casos.
A fome não é uma fatalidade inevitável que afeta a determinados países. As causas da fome são políticas. Quem controla os recursos naturais(terra, água, sementes) que permitem a produção de comida? A quem beneficiam as políticas agrícolas e alimentares? Hoja, os alimentos se converteram em uma mercadoria e sua função principal, alimentar-nos, ficou em segundo plano.
Se aponta a seca, com a consequente perda de colheitas e gado, como um dos principais desencadeadores da fome no Chifre da África, mas como se explica que países como Estados Unidos o Austrália, que sofrem periodicamente secas severas, não sofram fomes extremas? Evidentemente, os fenômenos meteorológicos podem agravar os problemas alimentares, mas não bastam para explicar as causas da fome. No que diz respeito a produção de alimentos, o controle dos recursos naturais é chave para entender quem e para quê se produz.
Em muitos países do Chifre da África, o acesso a terra é um bem escaso. A compra massiva de solo fértil por parte de investidores estrangeiros (agroindústria, Governos, fundos especulativos…) têm provocado a expulsão de milhares de camponeses de suas terras, diminuindo a capacidade destes países para se auto-abastecerem. Asim, enquanto o Programa Mundial de Alimentos tenta dar de comer a milhões de refugiados no Sudão, se dá o paradoxo de que governos estrangeiros (Kuwait, Emiratos Árabes Unidos, Coreia…) os compram terras para produzir e exportar alimentos para suas populações.
Asim mesmo, ha que recordar que Somália, apesar das secas recorrentes, foi um país auto-suficiente na produção de alimentos até o final dos anos setenta. Sua soberania alimentar foi arrebatada em décadas posteriores. A partir dos anos oitenta, as políticas impostas pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial para que o país pagasse sua dívida com o Clube de Paris, forçaram a aplicação de um conjunto de medidas de ajuste. No que se refere a agricultura, estas implicaram uma política de liberalização comercial e abertura de seus mercados, permitindo a entrada massiva de produtos subvencionados, como o arroz e o trigo, de multinacionais agro-industriais norte-americanas e europeias, que começaram a vender seus produtos por debaixo de seu preço de custo e fazendo a competição desleal com os produtores autóctonos. As desvalorizações periódicas da moeda somalense geraram também a alta do preço dos insumos e o fomento de uma política de monocultivos para a exportação forçou, paulatinamente, o abandono do campo. Histórias parecidas se deram não só nos países da África, mas também na América Latina e Ásia.
A subida do preço de cereais básicos é outro dos elementos assinalados como detonante da fome no Chifre da África. na Somália, o preço do milho e o sorgo vermelho aumentou 106% e 180% respectivamente em apenas um ano. Na Etiópia, o custo do trigo subiu 85% em relação ao ano anterior. E no Quênia, o milho alcançou um valor 55% superior ao de 2010. Uma alta que converteu estes alimentos em inacessíveis. Mas, quais são as razões da escalada dos preços? Vários indícios apontam a especulação financeira com as matérias primas alimentares como uma das causas principais.
O preço dos alimentos se determina nas Bolsas de valores, a mais importante das quais, a nível mundial, é a de Chicago, enquanto que na Europa os alimentos se comercializam nas Bolsas de futuros de Londres, Paris, Amsterdam e Frankfurt. Mas, hoje em dia, a maior parte da compra e venda destas mercadorias não corresponde a intercâmbios comerciais reais. Se calcula que, nas palavras de Mike Masters, do hedge fund Masters Capital Management, 75% do investimento financeiro no setor agrícola é de caráter especulativo. Se compram e vendem matérias primas com o objetivo de especular e fazer negócio, repercutindo finalmente em um aumento do preço da comida para o consumidor final. Os mesmos bancos, fundos de alto risco, companhias de seguros, que causaram a crise das hipotecas subprime, são quem hoje especula com a comida, aproveitandp-se dos mercados globais profundamente desregularizados e altamente rentáveis.
A crise alimentar em escala global e a fome no Chifre da África em particular são resultado da globalização alimentar a serviço dos interesses privados. A cadeia de produção, distribuição e consumo de alimentos está nas mãos de umas poucas multinacionais que antepõem seus interesses particulares às necessidades coletivas e que ao largo das últimas décadas têm erosionado, com o apoio des instituições financeiras internacionais, a capacidade dos Estados do sul para decidir sobre suas políticas agrícolas e alimentares.
Voltando ao princípio, Por quê existe fome em um mundo de abundância? A produção de alimentos se multiplicou por três desde os anos sessenta, enquanto que a população mundial tão só duplicou desde então. Não estamos enfrentando um problema de produção de comida, mas sim um problema de acesso. Como assinalou o relator da ONU para o direito a alimentação, Olivier de Schutter, em uma entrevista a EL PAÍS: “A fome é um problema político. E uma questão de justiça social e políticas de redistribuição”.
Se queremos acabar com a fome no mundo é urgente apostar por outras políticas agrícolas e alimentares que coloquem no seu centro as pessoas, as suas necessidades, a aqueles que trabalham a terra e o eco-sistema. Apostar pelo que o movimento internacional da Vía Campesina chama a “soberania alimentar”, e recuperar a capacidade de decidir sobre aquilo que comemos. Tomando emprestado um dos lemas mais conhecidos do Movimiento 15-M, é necessário uma “democracia real,já” na agricultura e na alimentação.
*Esther Vivas, do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais da Universidad Pompeu Fabra. Artigo em El País, 30/07/2011.
***Tradução português : Paulo Marques para o blog http://www.economiasocialistads.blogspot.com
Por Jacques Távora Alfonsin
A criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), por iniciativa recente do governador Tarso Genro, transformada em lei pela nossa Assembléia Legislativa (13.656 de 07 deste janeiro de 2011), parece indicar a busca de uma nova forma ético-política de administração pública, na qual a cidadania encontre outras garantias de efetividade que não apenas as da democracia exclusivamente representativa. Não é de hoje que a só repartição do Poder Público em três vetores de atividade sofre críticas relacionadas com a incapacidade desse modelo conseguir dar resposta eficaz e solução oportuna a questões cuja complexidade crescente implica problemas que vão desde a erradicação da pobreza até a preservação do meio-ambiente, para lembrar apenas dois dos mais preocupantes.
Quando escreveu sobre “Método e Constituição Dirigente”, (disponível na internet e em obras jurídicas de doutrina) o então ministro da Justiça, hoje governador, antecipou um diagnóstico sombrio sobre a capacidade jurídica de o nosso direito legislado e aplicado alcançar disciplina concreta sobre realidades em relação as quais, se não perdeu todo o controle, em boa parte não manda mais nada. Entre essas ele mencionou fatores econômicos (globalização fundada na força supra jurídica do capital financeiro), políticos (desgaste da legitimidade de representação pela espetacularização midiática), sócio-ambientais (aumento das desigualdades e depredação ambiental natural), científicos (construção de uma racionalidade permissiva para uma revisão genético-técnica da humanidade).
A leitura da lei instituidora do novo Conselho autoriza concluir-se, por um lado, não serem estranhas à sua apreciação, questões dessa magnitude e relevância, considerando-se a própria denominação do novo colegiado como envolvendo tudo isso; por outro, a consciência de que, “analisar, debater e propor políticas públicas e diretrizes específicas, voltadas à promoção do desenvolvimento econômico e social do Estado do Rio Grande do Sul, com o objetivo de produzir indicações normativas, propostas políticas e acordos de procedimento” (…) são tarefas que já não comportam ser cumpridas exclusivamente pelo Executivo, mas sim, sob “articulação das relações de Governo com representantes da sociedade” (art. 1º da referida lei).
Como todo o Conselho, esse não foi criado nem vem para impor. Quem aconselha, como o próprio verbo reflete, não está armado de autoridade sancionatória. No caso do CDES, essa característica sugere a vivência de uma virtude rara, aquela que, antes de aconselhar, aceite humildemente ser aconselhada, pois é na ausência dessa virtude que muita autoridade persiste em errar, justamente por ser autoridade. Seu dever principal, então, em obediência ao titular da soberania, geralmente tão distante das instâncias de poder, será o de ouvir, antes de qualquer palavra, em silêncio respeitoso como convém à gravidade própria do seu trabalho, a quantas/os do povo, hoje, na ordem econômica da nossa Constituição, pouco ou nada têm, na ordem política, pouco ou nada podem, na ordem social, em pouco ou nada se sentem gente, cidadãos do nosso Estado e do país.
Com a liberdade própria de um tal tipo de debate das questões afetas ao Conselho, talvez resida aí, na eleição de prioridades, feita depois desse diálogo, o critério capaz de marcar os acertos ou os desacertos das propostas emanadas do novo Conselho. A capilaridade que ele demonstrar no conhecimento de nossa realidade, as causas e os efeitos das suas disfunções sociais e econômicas, impeditivas de um desenvolvimento menos desigual em seus efeitos sobre o povo, as responsabilidades privadas e públicas daí decorrentes, os encargos a serem assumidos, em tudo isso a sua presença poderá pesar como decisiva.
Se os direitos humanos fundamentais sociais de muitas/os gaúchas/os e brasileiras/os, de outra parte, não alcançam garantia efetiva, isso comprova, no contexto previsto pelo governador, em seu artigo sobre a Constituição, que as três principais ordens da nossa Constituição Federal, a econômica do ter, a política do poder e a social do ser ainda não alcançaram efeito sobre grande parte da nossa população. Ao lado dos fatores econômicos, políticos, sócio-ambientais e científicos por ele mencionados como inerentes às crises de vida e de direito atuais, poder-se-ia acrescentar, então, o fator ético, onde sempre se expressa melhor a sensibilidade social de um coletivo como o novo Conselho.
Se ele chegar ao ponto, por exemplo, de se questionar: de quantas/os pobres e miseráveis é composta a população do Estado do Rio Grande do Sul, onde elas/es se encontram e o que causou a situação sob a qual vivem, quais são suas principais necessidades, onde a organização popular necessita de maior apoio para reivindicar os seus direitos, por que os movimentos populares são criminalizados, que possibilidades o governo do Estado junto com o seu povo, têm de enfrentar e dar resposta satisfatória para tais problemas, os seus “conselhos” vão estar implicados em carências da mais variada condição humana. As do tipo saúde, educação, segurança, moradia, alimentação, emprego, entre outras, sem o atendimento das quais nenhum desenvolvimento econômico e social se legitima ou alcança reconhecimento como justo.
É dessas necessidades, cuja satisfação integra a própria dignidade das pessoas e fundamenta todos os direitos humanos, que a pauta de estudo, discussão e decisão propositiva, salvo melhor juízo, deve e pode se ocupar o Conselho. Haverá divergências graves entre as/os conselheiras/es? Sim. Vão ficar totalmente imunes aos interesses de classe, etnia, religião, partido, ideologia? Certamente não. A temperatura das discussões arrisca subir bastante? Claro. Algumas das suas propostas ficarão longe de obter consenso unânime? Sem dúvida. A própria lei preveniu tais fatos como se pode ver no parágrafo único do seu art. 2º.
Os riscos próprios da discussão democrática, todavia, pelo menos aquela despida do empenho de alcançar o poder pelo poder, tem aqui uma oportunidade rara de serem cobertos por um testemunho capaz de dar ao povo a garantia da conveniência do trabalho a ser executado pelo Conselho. Esse testemunho vai depender inteiramente do CDES e, no que diz respeito aos direitos humanos, confia-se em que, antes de partir do que já é – e o que já é não é bom pelo que se constata entre o povo – partir do que ainda não é, mas deve, precisa, é urgente e necessário ser, sem concessões à sloganização e ao populismo.
Trata-se, pois, de uma iniciativa que abre alternativas promissoras de exercício do poder, avalizado por uma nota moral de difícil contestação: os integrantes do Conselho vão trabalhar de graça. E vão trabalhar se equilibrando sobre aquele mar de dúvidas levantadas acima, verdadeiras “situações-limites” para o povo, tendentes a desencorajar ou até ridicularizar as suas propostas. O perene Paulo Freire deu resposta para isso, de uma forma que, para os objetivos do Conselho, é de todo oportuna ser relembrada aqui:
“Nas situações-limites, mais além das quais se acha o “inédito-viável”, às vezes perceptível, às vezes, não, se encontram razões de ser para ambas as posições: a esperançosa e a desesperançosa. Uma das tarefas do educador ou educadora progressista, através da análise política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não importam os obstáculos, para a esperança, sem a qual pouco podemos fazer porque dificilmente lutamos e quando lutamos, enquanto desesperançados ou desesperados, a nossa é uma luta suicida, é um corpo-a-corpo puramente vingativo.” (Pedagogia da Esperança, São Paulo:Paz e Terra, 2008, p. 11)
Parafraseando o evangelho, então, parece que a resposta aos desafios a serem enfrentados pelo novo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social não poderá ser dada colocando remendos de tecido novo em panos velhos, nem derramando vinho novo em barris velhos. No passado, comprovadamente, isso já não deu certo. O “inédito-viável” do CDES esperado, não por ser novo será novidadeiro e não por ser original será pretensioso ou ufanista. O novo das suas propostas não será mais do que o reflexo da re-novação da esperança-semente do povo e o original delas, igualmente, expressará apenas a garantia de que a o impulso de poder dessa origem, sem o qual nem democracia existe, conquistará a justiça-fruto dos seus resultados.
Fonte: RSUrgente
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