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Os pesquisadores e pensadores signatários deste documento vêm, há mais de uma década, realizando rigorosas pesquisas que evidenciam, à exaustão, enorme volume e diversidade de situações empíricas em que populações, comunidades tradicionais, povos indígenas e classes populares em geral têm seus direitos ambientais, culturais, territoriais e humanos flagrantemente violados. Invariavelmente, os agentes dessa violação são os responsáveis pelos empreendimentos privados orientados para a acumulação de capital, tais como aqueles investidos no mercado imobiliário, na incineração de resíduos tóxicos, na produção de commodities agrícolas e minerais, na apropriação de recursos hídricos para geração de energia elétrica, para a pesca comercial, para o turismo elitizado, para os monocultivos irrigados etc.
Nesses processos, as práticas governamentais do Estado, orientadas por uma ideologia desenvolvimentista, gestada de modo prevalente no período dos governos autoritários do Brasil, têm desempenhado papel essencial, geralmente postando-se ao lado dos interesses predatórios e expropriadores do capital. As formas pelas quais o Estado, segundo esta perspectiva de governança, realiza esse papel são várias: por meio da concessão de licenciamentos ambientais, não raro mediante a desconsideração de pareceres técnicos e dos protestos das populações vilipendiadas; investindo recursos públicos na implementação ou rentabilidade de grandes projetos de infraestrutura (como estradas, ferrovias, portos, transposição de rios etc.); a criação de Unidades de Conservação e Proteção Integral, que expropriam populações locais; o uso da força das armas para realizar o deslocamento compulsório de populações urbanas (como nos violentos processos de “reintegração de posse” de terrenos urbanos ociosos, ocupados por populações de sem-teto, ou como na realização das obras de transposição do rio São Francisco etc.). Outro aspecto importante da modernidade anômala que as frações do Estado teimam em reforçar, em suas políticas/programas equivocados/insuficientes, tem sido a naturalização do desbalanço dos direitos territoriais dos diferentes grupos sociais,
o que enseja a desproteção continua dos lugares mais ameaçados, no campo e nas cidades, e redunda em expô-los a desastres recorrentes e cada vez mais catastróficos. O sofrimento social dos grupos mais ameaçados e efetivamente afetados nos desastres -no geral, com destaque aos empobrecidos da sociedade -se amplia quando há a associação das perdas humanas e materiais havidas à desumanização dos processos ditos “de remoção”, isto é, quando os lugares em contestação pelo ente público são ressignificados como “áreas de risco”, justificando com tal discurso a expulsão sumária de seus moradores e relegando-os a um futuro incerto.
Nesse contexto, causa-nos enorme preocupação a disseminação, cada vez mais rápida e acrítica, dos chamados mecanismos de “resolução negociada de conflitos ambientais”, apresentados como solução para a sobrecarga de demandas sobre o Judiciário. Em primeiro lugar, nossas pesquisas deixam claro que não há negociação justa que reúna atores entre os quais existem abissais desigualdades, em termos dos recursos econômicos, simbólicos e políticos de que dispõem. Nossos estudos empíricos demonstram fartamente que essas negociações, via de regra, implicam o domínio de informações, normas jurídicas, técnicas e de linguagem que escapa às classes populares e comunidades e povos étnica e culturalmente diferenciados. A imposição desse domínio exclui, ipso facto, os conhecimentos, valores e linguagens desses sujeitos sociais, submetendo-os, assim, a uma verdadeira insegurança institucional e “tortura moral”, ao atingir a sua dignidade como seres sociais, o que, ao cabo, só serve para emprestar ares de legitimidade a decisões conduzidas pelos atores dominantes do processo de “negociação”.
Em segundo lugar, nossas pesquisas demonstram, com abundância, que há muitas situações em que os distintos interesses e projetos de apropriação das condições naturais e territórios são mutuamente excludentes ou mesmo incomensuráveis. Citemos apenas os casos de pessoas pertencentes a comunidades tradicionais ou povos indígenas que sofrem deslocamento compulsório de seus territórios e, em consequência, perdem o sentido da vida, mergulhando em profundos processos depressivos que, não raro, os levam à morte física e/ou cultural.
Por fim, salientamos que, pelo exposto, os resultados dos processos de “negociação” em tela são, para os atores econômica e politicamente mais frágeis, quase sempre inferiores ao que se lhes é assegurado pelos direitos de que são portadores. Considerando que as técnicas de mediação aplicam-se fundamentalmente aos direitos disponíveis de indivíduos, enquanto os conflitos ambientais envolvem direitos indisponíveis de coletividades, populações e futuras gerações, opomo-nos às tentativas cada vez mais frequentes de substituir o debate político e o recurso dos desfavorecidos à justiça pela mediação, promovida em muitas circunstâncias justamente por aqueles que poderiam e deveriam assumir a defesa dos direitos dos desfavorecidos.
Reconhecendo o papel excepcional do Ministério Público no ordenamento jurídico brasileiro como instância a que podem recorrer os grupos sociais menos favorecidos política e economicamente na defesa dos seus direitos, instamos essa instituição a rejeitar as tentativas de transformá-la em instância mediadora, de modo a preservar-se como aquele órgão capaz de assumir a defesa dos direitos constitucionais públicos, coletivos e difusos, e em particular daqueles que constituem o lado mais fraco frente a empresas e ao Estado, inclusive responsabilizando civil e criminalmente os agentes públicos e os responsáveis técnicos de empresas que se omitem ou atuam na construção de uma “legalidade formal” que acoberta violentos processos de negação e violação de direitos, e, simultaneamente, criminaliza a resistência.
Assim, consideramos decisivo, para o desfecho dos conflitos ambientais e territoriais, o papel que podem vir a desempenhar os operadores do direito, como garantidores e fiscais da estrita e justa observação dos direitos das populações, comunidades e povos inferiorizados pela economia de mercado e pela dominação política das classes abastadas. Concitamos, pois, os mais importantes entes civis e estatais que abrigam advogados e juristas, tais como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Rede Nacional de Advogados Populares, o Ministério Público e o próprio Judiciário, em suas múltiplas instâncias, a assumirem postura intransigente no resguardo desses direitos ambientais e territoriais da cidadania, somando esforços para evitar que as linhas de defesa da cidadania definidas por tais direitos sejam flexibilizadas e degradadas pela “negociação” e acordos infra-legais.
Assinam os participantes e apoiadores do seminário “Formas de Matar, de Morrer e de Resistir: limites da resolução negociada de conflitos ambientais e a garantia dos direitos humanos e difusos”, UFMG, 19 de novembro de 2012.
Pesquisadores
Andréa Zhouri -UFMG Ana Flávia Santos – UFMG Antonio Carlos Magalhães -Instituto Humanitas Caio Floriano dos Santos -FURG Carlos Alberto Dayrell -CAA Carlos RS Machado -FURG Carlos Walter Porto Gonçalves – UFF Célio Bermann -Prof. Associado do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP Claudenir Fávero -UFVJM Cleyton Gerhardt -UFRGS Cynthia Carvalho Martins -UEMA Eder Jurandir Carneiro -UFSJ Elder Andrade de Paula -UFAC Eliane Cantarino O’Dwyer – UFF Gustavo Neves Bezerra -UFF Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior -UFMA Jean Pierre Leroy -FASE Jeovah Meireles -UFC Klemens Laschefski -UFMG Maria de Jesus Morais -UFAC Marijane Lisboa -PUC-SP Michèle Sato -UFMT Norma Valencio -UFSCar Rosa Elizabeth Acevedo Marin -UFPA Raquel Rigotto -UFC Rômulo Soares Barbosa – UNIMONTES Sonia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos -professora da UFPA
Centros e Núcleos de Pesquisa
Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAANM Departamento de Sociologia (UFSCar) Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente – GEDMMA (UFMA) Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – GESTA (UFMG) Grupo de Estudos Socioeconomicos da Amazônia -GESEA (UEMA) Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Artes -GPEA (UFMT) Grupo de Pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade – TEMAS (UFRGS) Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades -LEMTO (UFF) Núcleo de Agroecologia e Campesinato (NAC-UFVJM) Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres – NEPED (UFSCar) Núcleo de Estudos Trabalho, Sociedade e Comunidade -NUESTRA (UFSCar) Grupo de Pesquisa sobre a Diversidade da Agricultura Familiar -GEDAF/NCADR/UFPA Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental – NIISA (UNIMONTES) Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental -NINJA (UFSJ) Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental(UFAC) Núcleo TRAMAS -Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (UFC) Observatório dos Conflitos do Extremo Sul do Brasil (FURG) Programa de Extensão Centro de Direitos Humanos na Tríplice Fronteira do Acre (BR), Pando (BOL) e Madre de Díos (PE) (UFAC)
Por que será que agora é a vez da mudança do Código de Mineração?
Amplia-se pressão dos garimpeiros e indústria mineradora sobre terras indígenas. Projeto que regulamenta a exploração mineral está em consulta na Internet
Por Elaíze Farias, no Inesc
Napë não tem dado trégua aos yanomami. Nem quando tira ouro de forma ilegal nem agora, quando apresenta um documento para legitimar a atividade garimpeira. Napë é “homem branco” na língua yanomami. Se for inimigo, ganha uma sílaba a mais: napëpë.
Para os yanomami, napëpë são os garimpeiros que desde os anos 80 vêm invadindo suas terras, contaminando seus rios, destruindo suas florestas e matando sua população por massacre e por doença. Os garimpeiros saem, são retirados, mas retornam. Mas a partir de agora, nepëpë podem também ser os políticos e as autoridades que querem permitir a entrada de grandes empresas mineradoras em suas terras.
A nova face da corrida do ouro que tanto assombra os índios yanomami deixou de ser um fantasma, uma ameaça que, embora próxima, não se concretizava. Em tramitação desde 1996, o Projeto de Lei que regulamenta a exploração de minérios em terra indígena recebeu uma nova versão, desta vez do deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR). O substitutivo foi anunciado neste mês e colocado para consulta na Internet.
“Os problemas com o garimpo aconteceram, foram reduzidos, mas agora estão se repetindo. O Congresso Nacional quer aprovar o projeto de mineração. As empresas já estão de olho nas terras dos índios. Eles estão discutindo e pensam que, por estarmos longe, não estamos escutando. Estamos na floresta, mas sabemos de tudo”, diz Davi Kopenawa, principal liderança indígena do povo yanomami e que há 25 anos vem denunciando a presença de garimpo ilegal na área.
Assembleia
Entre os dias 15 e 20 do mês passado, o garimpo ilegal e a regulamentação da mineração em terra indígena foram dois dos principais assuntos discutidos na 7ª Assembleia da Hutukara Associação Yanomami e Ye´kuana, realizada na aldeia Watoriki, casa de Davi, região do Município de Barcelos, no Amazonas, divisa com o Estado de Roraima.
Para Davi, a entrada da mineração na terra yanomami vai levar calamidade a seu povo. “Vai sujar a fonte do rio, a água que a gente bebe, vai abrir estrada, derrubar milhares de árvores grandes e pequenas, entrar máquina pesada, que para nós é como monstro grande. Muita gente vai querer vir para cá, até de outros países, para pegar ouro, diamante e pedras preciosas. Não queremos mineração na nossa terra”, afirmou.
Realmente, há muitas empresas “de olho” na riqueza minerária da terra indígena yanomami. A pedido da reportagem de A CRÍTICA, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), enviou a lista mais atualizada de requerimentos de pesquisa minerária. São mais de 650 processos pedidos desde a década de 70 até o ano de 2012 apenas na TI Yanomami, em áreas dos Estados de Amazonas e Roraima, para explorar diferentes substâncias, não apenas ouro.
Um mapa do DNPM o qual a reportagem teve acesso torna mais nítida – e chocante – a dimensão territorial cobiçada pelas empresas de mineração na terra yanomami.
A pesquisadora independente Telma Monteiro, que identificou e editou a cobertura requerida pelas empresas exclusivamente para A CRÍTICA, estima que 80% da terra dos índios yanomami estão destinadas às empresas mineradoras que apenas aguardam a regulamentação.
Freios
O deputado federal Édio Lopes, autor do substitutivo, defende o projeto lembrando que a regulamentação está prevista na Constituição de 1988. Ele ressalta que as comunidades indígenas serão consultadas e que “alguns freios” serão estabelecidos. Lopes inclui, nesta condição, as terras ainda não homologadas e os índios considerados por eles de “arredios e de pouca compreensão da sociedade do branco”.
O PL prevê um pagamento mensal de 2% do faturamento bruto à população indígena afetada pela atividade de mineração. Indagado se os yanomami estão na segunda categoria, já que suas terras são homologadas, ele deu a seguinte afirmação:
“Sim, eles são arredios e não conhecem muito do nosso sistema. Mas existem yanomami que são a favor. Estive numa audiência em São Gabriel da Cachoeira (no Amazonas) e havia índio yanomami que queria mineração. Apenas os yanomami influenciados pelo Davi é que não querem”, disse Lopes.
Constituição
O deputado federal Edio Lopes, autor do substitutivo, defende o projeto lembrando que a regulamentação está prevista na Constituição de 1988. Ele ressalta que as comunidades indígenas serão consultadas e que “alguns freios” serão estabelecidos. Lopes inclui nesta condição as terras ainda não homologadas e os índios considerados por eles de “arredios e de pouca compreensão da sociedade do branco”.
O PL prevê um pagamento mensal de 2% à população indígena afetada pela atividade de mineração.
Indagado se os yanomami estão na segunda categoria, já que suas terras homologadas, ele afirmou deu a seguinte afirmação: “Sim, eles são arredios e não conhecem muito do nosso sistema. Mas há yanomami que são a favor. Estive numa audiência em São Gabriel da Cachoeira (Amazonas) e havia índio yanomami que queria mineração. Apenas os yanomami influenciados pelo Davi é que não querem”, disse Lopes.
Recurso do MPF
O Ministério Público Federal de Roraima entrou no último dia 15 de outubro com um recurso no Tribunal Regional Federal 1 (TRF1) pedindo a anulação de todos os requerimentos pendentes no DNPM de lavra garimpeira e de pesquisa de mineração em terra indígena no Brasil – e não apenas em Roraima.
O MPF/RR já havia entrado com uma antecipação de tutela contra o DNMP com o mesmo pedido, mas a liminar foi negada. De acordo com a procuradoria federal de Roraima, apenas naquele Estado há 1.200 pedidos de lavra em terra indígena.
Para o procurador Fernando Pacheco, este pedido não tem regulamentação legal e nem deveria estar sobrestado. Pacheco acredita que, com a repercussão atual em função da divulgação do substitutivo do deputado Edio Lopes, a peça seja enfim acatada.
Na ação, o procurador Fernando Pacheco diz que o que há em vigor atualmente no DNPM é “a prática ilegal de suspensão do procedimento administrativo de autorização de pesquisa mineral em terra indígena, sem um prazo definido, prática essa que tem a nítida função de garantir o direito de preferência ao requerente da área, quando sobrevier legislação regulamentadora dos dispositivos constitucionais acima citados”,
“Para cada pedido de lavra é preciso uma consulta prévia e livre. A comunidade indígena pode negar, uma vez que o Brasil signatário de tratados internacionais que prevê a consulta aos povos indígenas”, afirmou Pacheco.
Fernando Pacheco, que participou da assembléia da Hutukara, na aldeia Watoriki, demonstrou preocupação com o avanço do interesse minerário na terra yanomami, especialmente neste momento em que se caminha para sua regulamentação.
“O garimpo já tem um efeito devastador para as comunidades yanomami, com poluição do meio ambiente e eclosão da violência. Se a exploração minerária for regulamentada com a expedição das lavras haverá o risco de uma alteração total de uma cultura absolutamente única no Brasil e que tem um grau de preservação quase incomparável com as outras que é a dos yanomami”, destacou.
O antropólogo Ricardo Verdum, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), disse ao jornal A CRÍTICA que se preocupa com o modo como o assunto vem sendo tratado pelo legislativo federal, desconsiderando a legislação nacional e internacional no que se refere ao direito dos povos indígenas à consulta livre, prévia e informada.
“A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho entrou em vigor internacionalmente em 5 de setembro de 1991. Ela tem três artigos que são extremamente relevantes para essa temática da consulta prévia, que são o artigo. 6º, o artigo 7º e o artigo 15º. Resumindo o que é estabelecido nesses três artigos, eu digo o seguinte: que é garantido aos povos indígenas definir suas próprias prioridades de desenvolvimento; é garantido a eles controlar, na maior medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural; é garantido a esses povos participar da formulação, da implementação e da avaliação de planos e programas de é garantido a esses povos participar da formulação, da implementação e da avaliação de planos e programas de desenvolvimento nacional e regional que possam afetá-los diretamente”, destacou.
Entrevista com o geólogo Paulo Ribeiro de Santana, ouvidor do DNMP
Pergunta: As empresas que entraram com estes pedidos de pesquisa já tiveram suas demandas concedidas.
Não.
Pergunta: O DNPM vai aguardar a regulamentação da mineração em terra indígena?
Resposta: Não, os processos estão todos sobrestados.
Pergunta: Caso os pedidos ainda não tenham sido atendidos, as empresas terão preferência na concessão, quando o Congresso Nacional aprovar o projeto de lei?
Resposta: Quem vai responder a esta pergunta é o novo texto que for aprovado pelo Congresso Nacional, que ninguém sabe se é o que o Deputado está propondo como Substitutivo. Não significa que o Substitutivo será aprovado, ele certamente será submetido à apreciação dos parlamentares para deliberação se sim ou não.
Fonte: http://ponto.outraspalavras.net/2012/11/09/os-yanomami-cercados-pela-mineracao/

Luciano Nascimento
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Foi suspensa hoje (30) a liminar que determinava a retirada do acampamento dos índios guaranis kaiowás da Fazenda Cambará, em Mato Grosso do Sul. O anúncio foi feito pelo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, durante reunião com líderes indígenas na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH). De acordo com a decisão da Justiça, os cerca de 170 índios que vivem no acampamento devem permanecer no local até que a demarcação de suas terras seja definida.
A decisão da desembargadora Cecilia Mello, do Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) em São Paulo, acata o recurso apresentado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelo Ministério Público Federal (MPF). O agravo de instrumento, apresentado dia 16, representava contra uma liminar anterior, favorável à manutenção de posse proposta por Osmar Luis Bonamigo, dono da fazenda.
Em seu despacho, a desembargadora considerou que “o caso dos autos reflete, de um lado, o drama dos índios integrantes da Comunidade Indígena Pyelito Kue que, assim como outros tantos silvícolas brasileiros, almejam de há muito a demarcação de suas terras. E, de outro lado, o drama não menos significativo daqueles que hoje ocupam terras supostamente indígenas que, na maioria das vezes, adquiriram a propriedade ou foram imitidos na posse de forma lícita e lá se estabeleceram”. A magistrada declara ainda que “os indígenas se encontram em situação de penúria e de falta de assistência e, em razão do vínculo que mantêm com a terra que creem ser sua, colocam a vida em risco e como escudo para a defesa de sua cultura”.
A decisão foi recebida com entusiasmo pelos presentes à reunião. A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, que presidiu o encontro, disse que o próximo passo é agilizar o processo de estudos para demarcação da terra indígena. “Essas pessoas têm empreendido uma luta com o apoio de toda a etnia guarani kaiowá e todos os guaranis e comunidades indígenas do Brasil”, disse referindo à luta dos guaranis kaiowás e de outras etnias em Mato Grosso do Sul pela demarcação de suas terras.
Solano Pires, líder guarani kaiowá do Acampamento Puelyto Kue, falando em guarani, expressou sua alegria com a decisão da Justiça e reafirmou a ancestralidade dos índios sobre a terra. “Essa tekoha [terra sagrada] é nossa. Meu avô e meu tataravô estão enterrado lá”, disse.
A desembargadora também revogou a multa diária de R$ 500 contra a Funai por descumprimento da decisão de retirar os índios do local. A Funai argumentou no tribunal que “não detém a tutela da comunidade indígena, não influencia na sua cultura, no modo de viver e nem mesmo foi responsável pela retomada da área em conflito”.
Cecilia Mell diz também que a Funai deve adotar todas as “providências no sentido de intensificar os trabalhos e concluir o procedimento administrativo de delimitação e demarcação de terras”. Também autoriza que outros órgãos governamentais possam ter acesso ao acampamento para prestar assistência aos índios.
Durante a reunião, José Eduardo Cardozo anunciou que já tomou várias medidas para assegurar melhores condições para os índio. Ele destacou o reforço no contingente da Força Nacional e da Polícia Federal para garantir a segurança no local, e que solicitou que a Funai agilize o processo de demarcação de terras.
O ministro disse que em até 30 dias será apresentado o relatório final definindo se a área reivindicada pelos índios. “Nós vamos aprovar dentro de 30 dias. Falta apenas a questão do levantamento fundiário para que o processo possa ser aprovado”. Apesar disso, o ministro reconheceu que o processo de demarcação das terras indígenas ainda deve demorar. “A questão da demarcação de terras indígenas é extremamente conflituosa. Nós temos decisões liminares que interrompem o processo. É difícil estimar um tempo para o próximo passo”, ressaltou.
Edição: Aécio Amado
Desde de novembro de 2011, o Rio Grande do Sul, ancorado na sua tradição democrática e republicana, enfrenta de forma direta e corajosa um importante debate – hoje com repercussão nacional – sobre a LAICIDADE DO Estado, sua natureza e seus reflexos, seus princípios e as práticas que devemos adotar para garantir sua legalidade.
O debate teve início a partir da iniciativa de seis importantes grupos de direitos civis, feministas e LGBTs do RS, que, amparados pelos princípios constitucionais da laicidade, da impessoalidade do Estado, bem como pelo princípio da igualdade (arts. 19, 37 e 5º da CF) questionaram a presença de símbolos religiosos em espaços de órgão públicos Gaúchos, peticionando pela sua retirada no TJ-RS, Executivo Estadual, Assembleia Legislativa do Estado e Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
Este debate secular, reforçado há cinco meses pela entrada das petições, ganhou destaque nas mídias oficiais (rádios, jornais, canais de TV) e nas mídias alternativas (blogs, sites e redes sociais da internet) não apenas no RS, mas em todo o território Brasileiro, a partir da histórica decisão do TJ-RS que acatou o pedido de retirada de “todos os símbolos religiosos das dependências do Tribunal em todo o Estado”. Ganhou, também, corações e mentes com o crescimento da posição favorável de 11%, na 1a. enquete do Programa Conversas Cruzadas, em novembro de 2011, para 42% agora em março (enquete publicada na ZH, em 17 de março de 2012). Mesmo índice alcançado pela Folha de São Paulo.
Isso, por si só – e diferentemente do que tentam fazer crer algumas correntes de pensamento que discordam da iniciativa e pretendem obstaculizar o debate com seus seculares argumentos dogmáticos – demonstra o quanto o tema é relevante para o exercício da democracia e dos princípios republicanos adotados em nossa constituição, reforçando que o debate democrático é a via mais adequada para a solução dos temas importantes para a nossa sociedade.
Democracia, como todos sabem, é um conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade humana; é a institucionalização da liberdade. Assim, seguindo estes princípios democráticos, o Estado Brasileiro tem o dever de respeitar a todas e a todos, indistintamente, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (CF, Art. 3o. IV, 1988). Se um direito garantido em lei é violado, cabe-nos, nas regras do jogo democrático, recorrermos a quem de direito para dirimir o conflito.
Da mesma forma que a Democracia, o Estado LAICO e o respeito às liberdades religiosas são amplamente asseguradas na Carta Constitucional, como forma de garantir a cultura multifacetada e diversa da população brasileira.
A discussão acerca do Estado LAICO e dos direitos laicos dele decorrentes encerra uma série de pautas nacionais que têm sido tratadas por nossos governantes (e aqui falamos das três esferas de governo: Executivo, Legislativo e Judiciário, em todas as suas instâncias) como pautas proibidas, ou tabus, por conta de uma subserviência histórica e cultural a uma filosofia religiosa que impõe sua moral e costumes à toda a população, seja ela religiosa ou não, siga ela esta crença filosófica ou não. Isto não apenas é autoritário, como antidemocrático e inconstitucional.
Temas como Direitos Civis da população LGBT; estudo com células embrionárias e células tronco; direitos sexuais e reprodutivos; debates de saúde pública, como a distribuição de “pílulas do dia seguinte” ou insumos como camisinhas em eventos e festas nacionais, a exemplo do carnaval; a legalização do aborto e descriminalização da prática do aborto; a educação inclusiva ou para a diversidade; e mesmo coisas mais simples, como campanhas públicas sobre saúde, educação, sexo seguro e combate às DST/HIV-AIDS têm sido, sempre, pautados e sujeitadas por esta moral religiosa, dita majoritária e muitas vezes confundida ou revestida de estatal, o que nos faz recuar e algumas vezes retroceder em temas relevantes para toda a população.
Paralelo a isso, uma ofensiva por cargos e funções públicas, reivindicando espaços de ministérios, por parlamentares que se movimentam através de bancadas religiosas, forçam ações que retrocedem no sentido da laicidade do Estado. Vejamos, por exemplo, a nomeação de um ministro, pelo motivo exclusivo de ser evangélico, e com a finalidade externada de acomodar esta bancada no governo federal, ainda que as posições por ele defendidas sejam contrárias ao interesse de grandes fatias da população. Ou situações piores, como o acordo Brasil-Vaticano, retrocesso que faz concessões à ação da igreja católica em espaços privilegiados, como escolas, além da seção pelo Estado de terras e outros espaços públicos. Ou ainda, o retrocesso violento na distribuição do Kit Anti homofobia, por pressão fundamentalista, que chantageou o Governo Federal, jogando por terra o compromisso deste com a educação inclusiva no País.
O Brasil e o Estado do RS precisam respeitar as Constituições Estadual e Federal, fazendo valer o que está escrito nelas, e que foi amplamente discutido e aprovado. Separar o Estado da Religião, o público do privado, o legal do ilegal, é dever constitucional de cada gestor e ente público, independentemente da religião, filosofia ou cor partidária que este gestor segue na sua vida individual.
Se é verdade que a religião, em especial as religiões majoritárias no Brasil, têm um papel importante na cultura nacional, na arte e, inclusive, no direito (veja-se o direito canônico), também é verdade que os valores sociais evoluem de acordo com o crescimento da nação e que os valores religiosos devem orientar aqueles, e apenas aqueles, que escolhem, livremente e deforma autônoma, submeter-se a esses valores e princípios.
Também é necessário reconhecermos como verdadeiro o valor histórico e cultural das religiões ditas minoritárias e mesmo do pensamento politeísta, agnóstico e ateu para a formação de nosso Estado, em especial, e do Brasil, de forma mais ampla.
Não seríamos quem somos não fosse as negras e negros africanos e sua vasta cultura de fé, aprisionada e oprimida, como aqueles, pelo regime escravocrata – culturalmente defendido naquele momento e justificado pela falta de alma dos cativos. Não seríamos quem somos não fosse a influência da religião xamânica e das pajelanças das nações indígenas, ricas em sincretismos e simbologias que remetem aos fenômenos da natureza e sua importância para os seres humanos. Não seríamos quem somos, não fosse a influência dos imigrantes europeus, seu anarquismo revolucionário que negava a existência de Deus e combatia a fé professada naquela época de forma confessional pelo Estado, o que gerou perseguição e fomentou o debate que nos fez uma nação de tantas facetas. Continue lendo »
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