Veto desenvolvimentista
Por algum momento, organizações do movimento social, particularmente ambientalistas, alimentaram a esperança de que Dilma vetasse na íntegra a reforma do Código Florestal. Quatro fatores contribuíam para essa expectativa: o retalhamento do Código patrocinado pelos ruralistas depois do texto acordado e aprovado no Senado; o crescimento nacional da campanha sintetizada na hashtag #VetaTudoDilma que ganhou as ruas e as redes sociais; a proximidade com a Rio+20 e o gesto simbólico da presidente em Betim (MG) ao quebrar o protocolo e cumprimentar pessoalmente manifestantes que pediam o “Veta, Dilma”.
Prevaleceu, porém, o que todos já aguardavam: o veto parcial com o anúncio da supressão de 12 itens do Código e a edição de uma Medida Provisória (MP) para preencher as lacunas deixadas pelo veto.
Os vetos não devem ser interpretados de forma maniqueísta, como muitas vezes se veem nas manifestações de muitos ativistas como analisaremos na sequência. A presidente Dilma Rousseff ao invocar os vetos os fez alegando “contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade”. Sua postura deve-se antes de tudo a uma concepção de pensar o conjunto da sociedade e os conflitos que a permeiam. Dilma está convencida que é possível conciliar preservação e desenvolvimento.
Vetos: Indignação no movimento ambientalista
O fato é que o anúncio dos vetos somados à MP irritou o movimento ambientalista. Decepção, frustração e indignação foram alguns dentre os muitos adjetivos utilizados pelas organizações ambientalistas para classificar a decisão da presidente. “O Brasil dormiu desconfiado, mas esperançoso, durante o final de semana, e acordou indignado na segunda-feira. Com 12 vetos e uma Medida Provisória, nasceu já remendado o Código Florestal do século XXI – e repleto de anistias”, disse Raul Telles – coordenador adjunto do Instituto Socioambiental (ISA) e ambientalista.
Embora as organizações avaliem que os vetos contrariam os interesses mais arcaicos do latifúndio, consideram que, acima de tudo, determinaram uma vitória do setor produtivo ligado ao agronegócio.
As organizações destacam que os vetos ficaram no meio do caminho, permitindo dubiedade na interpretação e, pior, fazendo concessões enormes aos ruralistas: “O caminho do meio entre não tomar veneno e tomar muito é veneno do mesmo jeito. Essa proposta é venenosa”, afirmou Pedro Gontijo, representando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, que reúne 163 entidades e classificou como “retrocesso ambiental” a sanção do novo Código Florestal, com os 12 vetos e a edição da medida provisória.
Quatro foram as medidas anunciadas pela Medida Provisória pós-veto que mais irritaram as entidades ambientalistas: 1) anistia de multas; 2) redução da preservação das APP’s; 3) possibilidade que áreas degradas sejam recompostas com plantas que não são nativas; 4) redução das exigências legais para a recuperação de nascentes.
Código: ‘Mais um capítulo infeliz’, dizem ambientalistas
Na opinião das organizações sociais e ambientalistas os vetos de Dilma preservaram a coluna vertebral da proposta ruralista ao Código Florestal.
O coordenador adjunto do Instituto Socioambiental (ISA) e ambientalista Raul Telles diz que “já nasceu remendado o Código Florestal do século XXI – e repleto de anistias”.
Telles enumera os recuos, concessões e dubiedades. Segundo ele, “o novíssimo Código Florestal isenta de recuperação todas as Áreas de Preservação Permanente e a grande maioria das áreas de reserva legal que tenham sido desmatadas até 2008. Ou seja, desmatou, fica desmatado. Se havia multa, está anulada. Se a área havia sido embargada, está liberada. Isso é anistia”, destaca. “Em pleno século XXI, – constata o advogado – voltaremos a um patamar anterior ao de 1934, quando nosso primeiro Código Florestal foi aprovado”.
A opinião é partilhada pelo Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, para quem o veto não tocou na definição de “área rural consolidada” para caracterizar as ocupações de áreas florestais efetuadas até julho de 2008, e que serve de base para todas as anistias previstas na nova lei.
Diz o Comitê: “A anistia continua como eixo central do texto, já que a data de 2008 como linha de corte para a manutenção de áreas desmatadas ilegalmente continua inalterada e, consequentemente, promove que se deixe de reflorestar as áreas de proteção permanente e as reservas locais”. O Comitê denuncia ainda que esta anistia também se estende a 80% dos casos em que se devia restaurar florestas ribeirinhas, de picos e ladeiras de morros e áreas de preservação permanente em nascentes e olhos de água, lagos e lagoas naturais.
A anistia às multas pregressas devem ser interpretada no contexto do alerta do jornalista Washington Novaes: “já desmatamos quase 20% da Amazônia, quase 50% do Cerrado, só restam 7% da Mata Atlântica, quase nada dosPampas, o Pantanal já sofre muito”.
Segundo ele, o pretexto sempre invocado pelo agronegócio de prejudicar a expansão da agropecuária não se justifica, uma vez que “a Embrapa há mais de 20 anos diz que não é preciso desmatar um só hectare: temos 200 mil hectares já desmatados e sem ocupação econômica, além de metade das pastagens degradadas”. ContinuaWashington Novaes: “Mais grave ainda, qualquer que seja a decisão final do Congresso Nacional a respeito do projeto (Código Florestal), tudo tenderá a ficar como nas práticas predatórias de hoje, já que o Ministério do Meio Ambiente, com menos de 1% do orçamento da União, não tem estruturas para fiscalizar com rigor e mudar o quadro”.
Além de manter a anistia das multas anteriores a 2008, Raul Telles fala de outros artigos que mantiveram as propostas originais dos ruralistas:
– artigo 63 (não vetado) diz que nas encostas com mais de 45º de inclinação, nas bordas de chapadas, nos topos de morro e áreas com altitude superior a 1.800 metros de altitude – todos protegidos desde 1965 – serão mantidas as atividades agropecuárias implantadas até 2008. Mesmo pastagens, altamente degradadoras de áreas montanhosas, estão permitidas. Recuperação? Zero.
– artigo 67 (não vetado) diz que, nos imóveis de até quatro módulos fiscais, não é preciso recuperar a reserva legal irregularmente desmatada antes de 2008 (e não em 1934 ou 1996). Isso significa que em mais de 90% dos imóveis rurais – que ocupam 24% da área do país – não haverá recuperação. Com as brechas que essa regra traz é muito provável que essa anistia se estenda para parte significativa dos 10% de imóveis restantes, impactando uma área bem maior.
– artigo 11-A (incluído pela MP) permite, em seu §6º, que haja nos manguezais a “regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008”. Os manguezais, diz Telles, não custa lembrar, estão indiretamente protegidos pela lei desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover essa anistia, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões, contrariando o conselho unânime dos cientistas brasileiros, afirma o ambientalista.
– art.61-A (incluído pela MP) prevê a “recuperação” de uma faixa de 5 a 100 metros em beiras de rio desmatadas até 2008, quando a área que deveria ter sido preservada variava de 30 a 500 metros. No caso de nascentes, protegidas desde 1965, mas cuja área exata de proteção (raio de 50 metros) foi estabelecida em 2002, a “recuperação” vai variar de 5 a 15 metros, mesmo para desmatamentos realizados em 2007. Nesse último caso, diga-se de passagem, afirma Telles, a MP diminui a proteção mesmo em relação ao texto que fora aprovado pela Câmara dos Deputados há menos de um mês, no qual a recuperação prevista era de 30 metros. Em todos os casos, com exceção das beiras de rio situadas em imóveis com mais de 10 módulos fiscais, a “recuperação” será de apenas parte daquilo que deveria ter sido protegido.
O ambientalista do ISA faz um parêntese importante em sua reflexão em relação ao artigo anterior introduzido na medida provisória de Dilma:
– “E por que estou usando aspas para falar de recuperação em beiras de rio e nascentes? Porque a MP incluiu uma novidade surpreendente: essa – pouca – restauração poderá, agora ser feita com ‘espécies lenhosas perenes ou de ciclo longo, nativas ou exóticas’. Para quem não sabe, isso quer dizer eucalipto, laranja, café, videiras, palma de dendê etc”. Ou seja, diz ele “o que era vegetação nativa, será – parcialmente – recomposto com espécies de uso econômico e nenhuma função ambiental. Portanto, recuperação ambiental mesmo, zero. Anistia 100%”.
Para Raul Telles, “nem a bancada ruralista teve coragem de propor isso, mas a presidenta propôs”.
Essa decisão de se permitir plantas exóticas na recomposição de áreas degradadas é avaliada por Andre Lima, assessor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), como “mais grave que a anistia e a redução das áreas de proteção permanente (APPs)”. Segundo ele, “agora, basta plantar eucalipto e pinus que as APPs estarão recuperadas”.
O governo diante das fortes reações publicou uma errata esclarecendo que o uso de espécies exóticas apenas estará liberado para pequenas propriedades de até 4 módulos fiscais – medida que varia entre 20 e 400 hectares, de acordo com a região.
O ‘silêncio dos ruralistas’ indica satisfação com os vetos
Em contraposição aos ambientalistas, os ruralistas indicam, até pelo silêncio, terem “gostado” da posição do Palácio do Planalto. “Não há muito o que mexer na MP”, disse o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), pelo PMDB, com o apoio do governo, para ser o relator da medida provisória sobre o novo Código Florestal na comissão mista do Congresso Nacional. O senador fez elogios à decisão da presidente Dilma Rousseff sobre o tema. Luiz Henrique nunca escondeu sua simpatia pela causa dos ruralistas e apoiou retrocessos ambientais graves quando governador de Santa Catarina.
A presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária, Kátia Abreu – uma das principais representantes do agronegócio no Congresso – não escondendo sua satisfação com a decisão de Dilma – disse que a postura do governo foi equilibrada: “A cor da camisa não foi totalmente verde nem totalmente amarela. Foi meio termo”, destacou.
O coordenador da frente parlamentar agropecuária, Homero Pereira (PSD-MT), comemorou o fato da decisão final sobre o novo Código Florestal ficar para depois da conferência Rio+20, que acontecerá de 13 a 22 de junho. Os ruralistas sabem que qualquer decisão nesse momento na ante-sala da Rio+20 será prejudicial aos interesses do agronegócio devido a pressão que se produzirá na Conferência acerca de temática ambiental.
Ao fazer 12 vetos ao projeto e editar uma medida provisória sobre o tema, a presidente Dilma Rousseff jogou a questão novamente para o Congresso, instância onde a bancada ruralista é forte – considerado por alguns como o “maior partido do Brasil”.
Vetos de Dilma, mais do que maniqueísmo, uma concepção
Como destacamos anteriormente, os vetos e a postura de Dilma no debate sobre o Código Florestal não devem ser interpretados de forma reducionista, maniqueísta, como muitas vezes se vê nas manifestações de muitos ativistas. Como já destacamos, a presidente ao invocar os vetos os fez alegando “contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade”. Certamente Dilma não está do lado dos ruralistas, porém, tampouco concorda integralmente com os ambientalistas e os seus argumentos.
Destaque-se, aliás, que nos próximos dias com a proximidade do Dia Mundial do Meio Ambiente, a presidente deve anunciar o seu primeiro pacote ambiental que inclui reservas extrativistas, homologação de terras indígenas e a inclusão de mais famílias na Bolsa Verde.
No debate sobre o Código Florestal, e outros temas similares que envolvem a temática ambiental, Dilma Roussef tem manifestado a concepção de que é possível conciliar preservação e desenvolvimento.
Ao falar pela primeira vez após sanção do novo Código, a presidente afirmou que é possível preservar o meio ambiente e, ao mesmo tempo, desenvolver a produção agrícola: “Nós [estamos] mostramos que é possível preservar nossas florestas, nossa biodiversidade, é possível preservar nossos rios, é possível preservar nossas riquezas naturais e o país é um dos países com a riqueza ambiental da mais alta qualidade e variação”, disse Dilma. “É possível tudo isso e ao mesmo tempo crescer […] desenvolver sua produção agrícola, sua produção industrial e seus serviços”, disse a presidente.
Ou seja, Dilma acredita que não há contrariedade entre crescimento e sustentabilidade, que é possível conjugar essa “equação”. A postura de Dilma nesse debate não é nenhuma novidade. Expressa essa posição desde a época em que era ministra chefe da Casa Civil encarregada da execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mais de uma vez Dilma entrou em rota de colisão com a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Diante dos impasses Lula sempre arbitrou favoravelmente à Dilma o que culminou com a saída de Marina do governo.
Agenda ambiental subordinada à agenda econômica
Dilma, assim como Lula, apesar da intensa retórica, subordina a agenda ambiental a agenda econômica.
Vários exemplos evidenciam essa concepção do governo Dilma, alguns bem recentes, como a edição da Medida Provisória nº 558 que exclui vastas áreas de Unidades de Conservação (UCs) na Amazônia para abrigar canteiros e reservatórios de grandes hidrelétricas. A edição dessa medida suscitou forte reação do movimento social. NumaCarta dezenas de organizações afirmaram que grandes hidrelétricas vêm sendo construídas de forma autoritária e “ameaçam ecossistemas de biodiversidade única, as metas brasileiras de redução de emissões de gases de efeito estufa e, principalmente, os direitos humanos e a qualidade de vida de milhares de brasileiros que vivem na região”.
Outro exemplo, mesmo que simbólico, mas que evidencia a pouca sensibilidade com a questão ambiental foi a recente divulgação da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a compra de carros. O Brasil usa esse expediente reiteradamente, mas ao contrário da Europa e até mesmo dos EUA, não exige das montadoras contrapartidas de veículos menos poluentes.
O modelo desenvolvimentista adotado por Dilma ancora-se na hiperexploração dos recursos naturais. Entram aqui a construção das mega-hidrelétricas – Belo Monte, Complexo Madeira, Complexo Tapajós –, abertura de rodovias e hidrovias; ampliação da exploração de madeira e minérios; expansão da pecuária e das monoculturas da soja e dacana de açucar.
A reforma do Código Florestal precisa ser interpretada a partir dessa dinâmica. Para que o país se mantenha em crescimento é indispensável o círculo virtuoso crescimento, emprego e consumo. É o que diz Dilma: “Sem abrir mão dos nossos objetivos do desenvolvimento do milênio, temos de dar passos a frente e os nossos passos a frente são a expressão do nosso comprometimento com essa tríade: incluir, crescer, proteger e conservar. Isso significa que nós teremos de criar metas nesse sentido de metas a serem perseguidas e realizadas”.
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1 comentário
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junho 7, 2012 às 6:05 am
Lori Luci Brandt Dalla POrta
Eu acredito que “os ruralistas” ainda não estão completamente satisfeitos. Caso contrário, “não estaríamos” encaminhando em torno de 620 alterações até ontem à noite dia 06/06/2012. Cito dois pontos: na nossa região produtora de fumo, arroz e milho o programa rural de domingo passado na emissora de rádio local ” consideram o setor ambiental como retrógrado” pois não conseguimos ” saciar os nossos desejos de preservar” e que somos “contrários à produção de alimentos”. São denúncias ” extremamente graves” pois se não fossem as Ongs, as pessoas estariam comendo muito mais veneno. As feiras ecológicas até hoje são assessoradas por estas entidades. Provavelmente a partir de agora estes projetos “serão assumidos” por quem deveria se aliar e não tomar o lugar destes, isso para ter uma relação ética com os consumidores e profissionais que enxergam a produção de alimentos não dissociada da preservação ambiental.