O prof. da FURG, do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA), Francisco Quintanilha, escreveu mais um artigo para colaborar com o Blog do CEA tratando de temas para Educação Ambiental transformadora.

A LUTA PELA AFIRMAÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA, EMANCIPADORA E TRANSFORMADORA NO CONTEXTO DE ACENTUAÇÃO DA CRISE SOCIOAMBIENTAL DO CAPITAL

A questão da educação ambiental deve se inserir no contexto da busca das causas estruturais das mazelas socioambientais. Assim, a busca de uma educação ambiental crítica, emancipatória e transformadora é essencial para uma conscientização ambiental ampla sobre os reais problemas ambientais do planeta e para a conscientização da infância e da juventude. Assim, a própria produção capitalista, o tipo de economia definida apenas por expectativas de mercado, a falta de planejamento urbano, saneamento, educação e saúde entram em uma visão ampla e desalienante acerca dos problemas ambientais. A busca de mecanismos de ação local podem ser difundidos para um primeiro aprendizado, mais uma visão romântica e distante das questões amplas não é suficiente. Assim, o grande desafio é conscientização de que os problemas ambientais atingem uma totalidade, o meu bairro, a minha cidade, o meu país e o planeta inteiro. É importante economizar água, participar da coleta seletiva de lixo, mais é importante entender também que a privatização dos recursos naturais por transnacionais, a exportação de soja e biocombustíveis para atender a demanda dos Eua e Europa também são problemas ambientais. O consumo amplo do norte e a miséria do sul também são partes deste aprendizado amplo sobre as desigualdades estruturais de nosso planeta. A politização do debate também é importante, para qualificar a responsabilidade de agentes, como os organismos multilaterais como FMI e Banco mundial que tem sido parte do problema e não da solução, com os seus projetos de ajustamento estruturais neoliberais/neoconservadores que levam ao fim dos gastos sociais, de preservação ambiental com o aumento do desemprego ou incentivando programas degradadores do meio ambiente como a carcinicultura nos mangues dos países pobres. Ou como nos anos 90, quando o neoliberalismo esteve no auge em nosso país reduzindo os controles ambientais de empresas como a Petrobrás, com práticas como a terceirização, que resultaram em grandes desastres ambientais e sem o cuidado naquele período com a questão do licenciamento ambiental, além do aumento da indigência social da população. É claro que esta informação pesada, ideológica deve ser difundida através de um aprendizado lúdico, e fundado no princípio da esperança. Assim, o passivo ambiental não deve ser deixado apenas para os nossos filhos, mais é responsabilidade nossa e principalmente de quem detém o poder econômico e é responsável pela pegada ecológica, ou seja, a indústria, os setores extrativistas de mineração, o comércio não sustentável e a agricultura, especialmente a monocultura do agronegócio são os maiores consumidores de água e grandes agentes poluidores, a pecuária voltada para a exportação é uma das principais causas de destruição da Amazônia e de emissão de metano. Desta forma, a tentativa de reduzir o consumo de carne poderia integrar os debates alimentares que atingem a futura geração e a nossa, através de um viés dialético, ou seja, que assuma as contradições do nosso mundo e de nossa realidade, assim como alterar o sistema produtor de mercadorias que leva a acumulação de riqueza, a miséria, as crises de superprodução, subconsumo e financeiras, com a quebradeira recente promovida pela especulação com ativos financeiros subprime, que levaram ao uso de trilhões de dólares para salvar bancos e não as florestas tropicais. Estes também são elementos importantes de serem analisados neste debate. O diagnóstico da situação planetária catastrófica é triste, mais é o único capaz de fazer com que nos mobilizemos no prazo de duas décadas, que é o curto espaço de que dispomos para mudar o mundo, devido ao gravoso indício da mudança climática provocada pela atividade antrópica do capitalismo da globalização neoliberal, que também se identifica com o sexto ciclo de megaextinções planetárias, se quisermos lembrar dos dinossauros extintos por um meteoro e talvez por ação conjugada com vulcanismos e parasitas, é claro que sem esquecer de mudar o nosso quintal e a nossa vizinhança, plantando árvores e exigindo políticas públicas sociais e ambientais, desde a escola, até a proteção dos animais domésticos e demais espécies integrantes da biodiversidade reduzindo o nosso antropocentrismo, como se as necessidades   fossem somente humanas e não das demais espécies.

Outro ponto do debate é saber que alguns humanos são mais importantes do que outros, dentro da lógica de acumulação e lucro desenfreados do capitalismo, especialmente daqueles que estão no topo da sociedade e detém o poder econômico e político. Pois os outros humanos, a que me refiro são os marginalizados, que nem dispõem de escolha quanto ao seu futuro, devido a sua situação de vulnerabilidade social e ambiental, vide as enchentes, falta de drenagem, coleta de lixo e de programas de educação da própria população excluída da cidadania, pois culpar o povo é fácil em período eleitoral, retirando a culpa do planejamento deixado apenas para os agentes do mercado. Assim, estes também devem sair da apatia e exercer pressão para que sua vida possa mudar, mais não negamos a ampla adversidade de sua situação, com riscos de vida, inseguranças sociais e ambientais insuportáveis. [SEGUE…]


Infelizmente, os meios de comunicação não têm contribuído para uma conscientização ambiental verdadeira, pois estão muito interligados ao mundo publicitário e empresarial que é o principal responsável pelo estímulo de atividades ligadas a degradação ambiental, por vezes na própria rede de produção, desde os fornecedores até os outros elos destas cadeias de produção, ainda que possamos acreditar na boa intenção de alguns de seus agentes, o problema do trabalho infantil, de olarias, do trabalho escravo, que vendem carvão para outras empresas certificadas ambientalmente são dados terríveis de nossa realidade, e mesmo as melhoras são feitas com a eliminação do emprego e ampliação do êxodo rural pela mecanização nos moldes daquela orientação do agronegócio criada pela Revolução Verde (mecanização e fertilizantes controlados por monopólios multinacionais, salvo algumas empresas púbilcas como a Embrapa), com alterações que retiram o trabalho de bóias frias. Os problemas da globalização econômica em geral são escondidos ou as políticas contra os gastos sociais e de infraestrutura são colocados sempre sob a tendência privatísta, sem um diálogo com a sociedade e os setores que pensam alternativamente, que infelizmente raramente são convidados para debates televisivos, e que não conseguem colocar uma questão óbvia no debate público, pois o principal problema é a transparência dos serviços públicos e o controle social sobre as decisões que envolvem a satisfação dos verdadeiros anseios coletivos, por um ambiente e uma sociedade saudáveis e equilibrados, o que envolveria a participação na decisão dos gastos de nossos orçamentos públicos, assim a criança deve entender que as finanças e o governo são delas, pois todo o  poder emana do povo em uma democracia verdadeira, substantiva, participativa e não apenas formal, para legitimar o poder com a existência de agendas e conselhos sem poder de decisão sobre os orçamentos ou manipulados por setores sociais especialmente controladores das finanças e da economia, como aqueles que alimentam a monocultura verde, as empreiteiras, etc. Mais tal estado de coisas, somente se altera com lutas sociais que visam suplantar o status quo de forma mais direta.

O desmascaramente desta situação passa pela busca de uma outra globalização, e as crianças devem ser conscientizadas desta busca, o que passa também pela conscientização de que o mundo consumista e motivado por guerras visando a obtenção de petróleo e gás natural, não é o único mundo possível. A busca não é individualizada, mais é comunitária, social realizando uma discussão ampla, sem preconceitos e manipulações contra determinados grupos que são colocados sempre como vítimas ou como vilões, vide a visão agressiva pela qual são retratados movimentos que se organizam para lutar pela terra em nosso país. Assim, o aprendizado democrático por um outra dimensão da educação ambiental deve começar na escola, na família e passa pela alteração do próprio mundo do trabalho que vende valores egoístas e consumistas nas empresas, assim como na mídia massificada, nas próprias novelas, que em geral vendem um mundo movido pelo dinheiro, pela ambição, e por um materialismo vulgar ou estereotipado. Mais não devemos perder a esperança e devemos acreditar que essa conscientização ambiental ampla, que perpassa o diálogo e o enfrentamento do problema da miséria, do tráfico dos animais, da miséria das pessoas que são recrutadas para atividades ilícitas como pelos antimovimentos do narcotráfico podem ser vencidos pelo envolvimento da sociedade, pela pressão dos cidadãos organizados e conscientes dos seus interesses. A criação de bolsas e programas de educação ambiental em áreas sujeitas a degradação ambiental, a violência, a acumulação do lixo e sem serviços sociais seria um primeiro caminho para a busca desta justiça ambiental mais ampla, sem utilizar o velho preconceito de que as pessoas não vão querer mais trabalhar, em geram quem fala isto não está interessado em uma educação ambiental séria e queira promover alguma mudança na sociedade, é claro que medidas maiores como grandes investimentos em educação e um trabalho verdadeiro de transversalização da educação ambiental na educação ambiental, não formal  e informal também sejam necessários. A conscientização de que a população afrodescendente, os indígenas são vítimas especiais do racismo ambiental e de que as populações marginalizadas das periferias das grandes cidades são as principais vítimas dos desastres ambientais que se avizinham, talvez sejam os futuros refugiados ecológicos é também inevitável, ou então ficaremos discutindo amenidades, sem capacidade de transformar e resolver os problemas ambientais, esperando o desastre, que será lucrativo para alguns que poderão vender os elementos naturais em grande escassez, como água, energia, alimentos, etc. Este futuro de catástrofe só pode ser alterado com a distribuição de riqueza, com uma nova cultura, não somos contra a poesia, uma nova produção de valores, o incentivo a propriedade socializada como a da economia solidária, em que as cooperativas arregimentam uma produção ambientalmente sustentável, com menor agressividade ao meio ambiente. A educação para este novo mundo deve ser feita por uma nova pedagogia como a freiriana, em que os saberes e a experiência são compartilhadas por educandos e educadores. A educação para a emancipação, para a justiça social, para a reforma agrária com agroecologia, agricultura familiar, usada na alimentação escolar sem atravessadores e fraudes em licitação. A busca de uma nova ciência que não fique projetando armas de destruição de massa, mais ampliando os mecanismos de fontes energéticas sustentáveis que substituam paulatinamente o carvão e o petróleo. A busca de novos fazeres e saberes que mostrem que o mundo deve ser vivido, e de que o homem é a natureza e de que depende desta por fazer parte desta, para que o mundo futuro, o das futuras gerações, de todas as classes sociais, de hoje seja possível, com todas as belezas e qualidades humanas que tanto apreciamos.

Assim os projetos de educação ambiental, que queiram fazer a diferença devem partir destes postulados, para que a conscientização não seja apenas cosmética e para que atinja os seus objetivos reais abraçando, entendendo que a igualdade entre os homens e destes com a natureza que deve ser interpretada, como um sujeito de direitos tutelado, a natureza deve ter voz, não é uma mercadoria, mais é um valor em si, o nosso novo contrato social que vai salvar o planeta e garantindo um mundo com razoável qualidade ambiental para os nossos filhos e os filhos de nosso filhos, e assim sucessivamente. Neste mundo, a educação ambiental deve assegurar que os filhos saibam que eles e seus país devem fazer algo hoje, dentro da práxis que exige interação entre teoria e ação social engajada, tanto na sua prática cotidiana local, como nos problemas regionais, nacionais e internacionais criando uma solidariedade planetária, que transforme, brasileiros, haitianos, africanos, asiáticos, europeus, latino-americanos, em verdadeiros irmãos entre si e do planeta. A luta por saneamento, moradia, planejamento urbano, alimento ecológicamente produzido, parques florestais, reservas extrativistas com ações afirmativas voltadas para as populações extrativistas, unidades de conservação, respeito pela legislação ambiental, redução da poluição das fábricas, transportes públicos não poluentes, redução do lixo, controle das barragens de mineração em geral não fiscalizadas, aumento da democracia direta e participativa, recuperação de áreas degradas, reforço do sistema de licenciamento ambiental, a luta pelo direito dos animais, por uma nova ciência voltada para os problemas ambientais e sociais, impostos ecológicos, bolsas ecológicas,  redução das atividades consideravelmente impactantes da indústria, agricultura, mineração etc, proteção dos povos da floresta, do quilombolas são exemplos de temas que devem ser desenvolvidos por esta educação ambiental emancipatória, crítica e transformadora.