Comissão finaliza votação de destaques à MP do Código Florestal e aprova “recuperação” de APPs com frutíferas exóticas, como laranja e maçã. Recomposição de áreas desmatadas às marges de nascentes e rios fica ainda menor. A expectativa é de que texto seja aprovado no plenário da Câmara na próxima semana com apoio do governo

A comissão mista do Congresso que analisa a MP (Medida Provisória) 571, do Código Florestal, aprovou ontem por unanimidade um texto que permite “recompor” APPs (Áreas de Preservação Permanente) desmatadas ao longo de rios, nascentes e lagoas naturais com monoculturas de espécies frutíferas, como laranja, mamão e maçã.

Segundo a proposta, para efeito de recomposição de APPs, plantios agrícolas serão equiparados a florestas nativas pela nova legislação.

Na prática, não haverá recuperação dessas áreas porque a própria lei considera que elas têm a função de preservar os recursos hídricos e a biodiversidade. Monoculturas de espécies exóticas não têm essa capacidade. A medida não vale só para pequenos agricultores, mas para qualquer proprietário.

Deputados ruralistas Bernardo de Vasconcelos (PR-MG), Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Abelardo Lupion (DEM-PR). Grupo endurece o discurso para obter mais concessões

A proposta altera o parágrafo 13º do artigo 61-A da MP, que trata da restauração de APPs. Nele, foi incluído um novo inciso, o 5º, que não especifica se as espécies usadas devem ser exóticas ou nativas ou plantadas de forma intercalada. A redação ficou assim:

“§13. A recomposição de que trata este artigo poderá ser feita, isolada ou conjuntamente, pelos seguintes métodos:

I – condução de regeneração natural de espécies nativas;

II – plantio de espécies nativas;

III – plantio de espécies nativas conjugado com a condução da regeneração natural de espécies nativas;

IV – plantio intercalado de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, exóticas com nativas de ocorrência regional, em até 50% (cinquenta por cento) da área total a ser recomposta, no caso dos imóveis a que se refere o inciso V do caput do art.3º

V – plantio de árvores frutíferas”.

Nenhum parlamentar falou sobre o assunto. O senador Jorge Viana (PT-AC) e o presidente da comissão, deputado Bohn Gass (PT-RS), principais negociadores do governo no colegiado, negaram que o texto aprovado permita o plantio exclusivo de frutíferas exóticas em APPs desmatadas. A assessoria do relator da matéria, senador Luiz Henrique (PMDB-SC), no entanto, confirmou a possibilidade.

O texto principal da MP foi aprovado no dia 12/7 (saiba mais) e agora passará pelos plenários da Câmara e do Senado. A expectativa é que o relatório da comissão mista seja referendado pelo Câmara na semana que vem, com apoio do governo.

A MP foi editada em maio para suprir as lacunas deixadas pelo veto parcial da presidenta Dilma Rousseff ao projeto aprovado pela Câmara para alterar o antigo Código Florestal. Ela perde a validade no dia 8 de outubro.

APPs comprometidas

“As APPs são importantíssimas para conservação do solo, da água e da biodiversidade. Com essa medida, elas estarão completamente comprometidas em todos os sentidos”, alerta Ricardo Rodrigues, especialista em Dinâmica e Restauração Florestal da USP (Universidade de São Paulo).

“Estamos consolidando atividades altamente impactantes nessas áreas”, denuncia. Ele lembra que os cultivos de frutíferas exóticas exigem em geral uso intensivo de agrotóxicos, o que implicará contaminação direta dos cursos de água.

“Considerar uma plantação de café como uma área de proteção a nascentes é um absurdo para qualquer um que se preocupe minimamente com o equilíbrio ambiental. Mas como nem a bancada ruralista e nem o governo têm essa preocupação, a alteração é considerada normal, e por isso a proposta foi aprovada por unanimidade”, avalia Raul do Valle, do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA.

Para ele, a votação de ontem foi mais um capítulo da “destruição em etapas” da legislação florestal. “Com a possibilidade de plantar monoculturas de frutas em APPs, discutir se a restauração dos rios deve abranger cinco ou 30 metros passa a ser ridículo, já que não estamos mais falando de restauração”.

O texto votado também reduz a obrigatoriedade de recomposição das APPs dos rios para médios e grandes proprietários. Segundo o texto original da MP, eles teriam que recuperar entre 20 metros e 100 metros de matas desmatadas ilegalmente nessas áreas até julho de 2008, de acordo com a largura do curso de água. Agora, terão de recuperar entre 15 metros e 100 metros (veja tabela abaixo). Os órgãos ambientais estaduais definirão quanto deverá ser recuperado dentro desse limite.

Nota: o módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares, de acordo com a região

A proposta determina ainda que as veredas só estarão protegidas numa faixa de 50 metros a partir do “espaço permanentemente brejoso”, o que diminui muito sua área de proteção. O texto anterior resguardava a área alagada durante a época das chuvas. Além desse limite, o desmatamento será permitido. As veredas são fundamentais para o fornecimento de água no Cerrado.

Estratégia ruralista

No inicio da votação dos destaques à MP, no dia 8/8, os ruralistas conseguiram aprovar o fim das APPs de rios temporários, que compõem grande parte da malha hídrica do Cerrado e Caatinga. Os governistas elevaram o tom, criticando a atitude. Prevendo que perderia novas votações, o Planalto suspendeu as negociações (leia aqui).

Na terça, o relator Luiz Henrique propôs um texto de consenso, fazendo novas concessões aos ruralistas, agregando vários de seus destaques, em troca do resgate das APPs de rios intermitentes.

O problema é que, segundo o regimento, para alterar a medida já aprovada seria necessária a concordância de todos os integrantes da comissão. A sessão foi suspensa por falta de acordo e marcada para a manhã de ontem.

Um grupo de ruralistas da Câmara, liderado por Ronaldo Caiado (DEM-GO), colocou em prática a estratégia recorrente de endurecer as negociações para obter mais concessões, ameaçando derrotar mais uma vez o governo votando cada um dos 30 destaques que ainda precisavam ser apreciados.

“Como o governo começou a perder, agora quer quebrar o acordo de votar os destaques, trazendo um texto para constranger quem não concorda. Não tem acordo para um texto alternativo”, afirmou Caiado.

Até o último minuto, o grupo insistiu que só aceitaria rever a questão das APPs dos rios temporários se fosse incluído no texto a regularização integral de todas as áreas desmatadas ilegalmente até julho de 2008.

A pressão surtiu efeito e mais concessões foram feitas no texto de Luiz Henrique. A proposta final foi aprovada e os destaques restantes foram rejeitados por aclamação.

As APPs de rios intermitentes voltaram ao parecer do senador, mas, de acordo com o relatório, não precisarão existir ao longo de rios “efêmeros”. Além disso, rios intermitentes com até dois metros de largura precisarão de uma faixa de proteção de apenas cinco metros. De acordo com o antigo Código Florestal, essa proteção era de 30 metros.

Um curso de água efêmero seria aquele que aparece em consequência de um fenômeno temporário, como uma chuva muito forte, mas que não obedece a um ciclo periódico, como os rios intermitentes.

O temor dos ambientalistas é que a expressão “efêmero” dê margem a interpretações que possibilitem o desmatamento das margens de cursos de água importantes, mesmo que temporários.

Segundo o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), a única menção a “rio efêmero” na legislação está numa resolução do CNRH (Conselho Nacional de Recursos Hídricos) sobre outorga de água. A assessoria da ANA (Agência Nacional de Águas) não soube dizer se o conceito, usado por hidrólogos, está em alguma norma do órgão.

As nascentes intermitentes continuam sem proteção e suas margens poderão ser legalmente desmatadas – alteração proposta pelo próprio governo no texto original da MP.

Espírito Santo

“Saímos de um texto desastroso, para um razoável, possível”, afirmou Jorge Viana. Ele afirmou que a votação dos destaques restantes ao relatório de Luiz Henrique traria um prejuízo ainda maior para o meio ambiente.

Viana disse acreditar que o relatório será aprovado pelos plenários da Câmara e do Senado antes de a MP perder sua validade. As duas casas estão funcionando em regime de esforço concentrado durante a campanha eleitoral.

“O Espírito Santo de Deus me iluminou”, disse, rindo, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), ao comentar a sugestão de sua autoria, que permitiu o consenso final, de reduzir a obrigatoriedade de recomposição de APPs para médios e grandes produtores.

Kátia e outros ruralistas afirmaram que o texto deverá ser respeitado nos plenários do Senado e na Câmara, mas o acordo firmado ontem não prevê isso, o que significa que a bancada do agronegócio voltará à carga nas próximas votações e a tendência é de piora do texto da lei.

Durante toda a sessão de ontem, além dos parlamentares, não havia nenhum negociador do MMA (Ministério do Meio Ambiente) ou do Planalto na comissão. Na terça, Bohn Gass chegou a afirmar que o governo não estava negociando porque já tinha se manifestado pela aprovação integral da MP. Ontem disse que os negociadores do Planalto eram ele e os parlamentares da base aliada.

Fonte: ISA, Instituto Socioambiental.